Caminhão, em um passado nem tão remoto assim, era sinônimo de veículos com linhas conservadoras, previsíveis e que não traziam qualquer arrojo. As cabines, por sua vez, eram ambientes desconfortáveis e com um estilo retilíneo, sem qualquer suspiro de requinte. Mas, de uns tempos para cá, o desenvolvimento de caminhões se parece cada vez mais com o de carros de passeio. Ou seja, busca traços mais modernos no visual externo e adota materiais e desenhos mais sofisticados no interior. É claro, tudo atrelado à funcionalidade que norteia o segmento. “Não havia preocupação com o design dos caminhões. Era feito por engenheiros e voltado para o lado funcional. Hoje, consumidores querem ter um produto bonito para alavancar vendas”, defende Marco Tulio, designer da Iveco.
Uma “preocupação” que está ligada diretamente com o marketing dos tempos atuais. Afinal, para muitas empresas, é importante ter a marca estampada em um veículo com linhas que remetem à modernidade. É aquela velha conversa de agregar valor à imagem da marca. “Antigamente a função era muito mais importante do que a forma. Com as grandes frotas, o caminhão virou um cartão de visita da empresa”, valoriza João Marcos Ramos, gerente de design da Ford.
Mas a racionalidade ainda fala alto no mercado de caminhões. E muito alto. Tanto que mesmo na hora de emprestar modernidade e mudanças ao visual de um veículo, a funcionalidade e os tipos de materiais utilizados são essenciais. Tudo em nome do custo operacional do frotista ou do autônomo. A busca por um farol mais anguloso ou por uma grade mais imponente sempre passa por peças não muito mais caras em caso de reposição. A carcaça do retrovisor, por exemplo, geralmente abre mão de cores. “O importante é que aparência do veículo tem de ser robusta, porque um veículo de carga tem de passar segurança”, receita Paulo Alleo, diretor de engenharia da Volkswagen Ônibus e Caminhões.
Só que novos desenhos também podem implicar em menores custos. E justamente onde o consumidor deste mercado é mais sensível: gasto de combustível. Pequenas soluções na carroceria podem melhorar a aerodinâmica. Um exemplo são os defletores no teto, muito usados principalmente em carroceria do tipo baú, já que o compartimento geralmente é mais alto que a cabine e o defletor serve para conduzir o ar. Superfícies lisas e para-choques mais proeminentes são outros subterfúgios para os designers de caminhões diminuírem o coeficiente de arrasto. Medidas que podem diminuir de 3% a 5% o consumo. “Cada detalhe fora do caminhão é estudado. Desde o desenho do retrovisor até as canaletas de água. É um trabalho exaustivo para ganhar aerodinâmica em cada cantinho”, garante Alan Hulzmann, planejador de produto da Volvo.
De qualquer forma, um caminhão, segundo os executivos e engenheiros, é pensado de dentro para fora. Ou seja, projetam-se cabines mais espaçosas e ergonomicamente corretas para depois partir para a parte externa. Mais uma vez visando o custo operacional. A lógica é simples: um caminhoneiro, com um ambiente mais prático e confortável, trabalha e produz melhor. Por esta razão, comandos mais intuitivos e ao alcance das mãos, quadro de instrumentos de fácil leitura, posição de dirigir elevada, bancos mais largos, visibilidade e habitabilidade são palavras de ordem dentro de um caminhão. “É o ambiente de trabalho do motorista. Por isso, é preciso criar um ambiente agradável, de uma maneira mais segura e ergonômica”, ressalta Pedro Soares, diretor da área técnica da Agrale.
As principais diferenças entre o desenvolvimento de caminhões e o de automóveis se refere à agilidade para mudanças. Na prática, carros são menores, mais fáceis de “mexer” e permitem alterações mais rápidas no visual. No caminhão, o estilo caixote e a racionalidade do setor naturalmente retardam mudanças mais arrojadas. “Assim como o carro, o caminhão segue tendências e influências da moda, por exemplo. Só um pouco defasado. Com os carros, o ciclo é mais curto”, compara Alan, da Volvo. “O desafio é sempre maior, pois o caminhão não tem linhas fluidas. Criamos uma imagem com os detalhes e não tanto com a forma da cabine”, pondera João Marcos, da Ford.
Instantâneas
# Lançado em outubro, o Iveco Vertis foi desenvolvido totalmente no Brasil, na unidade mineira de Sete Lagoas, e foi o primeiro da marca italiana projetado fora da Europa.
# O Brasil é o único país a fabricar caminhões com a marca Volkswagen. Mesmo assim, os projetos de estilo dos modelos feitos na fábrica fluminense de Porto Real são aprovados pela matriz, na Alemanha.
# A Agrale passou a utilizar iluminação com led nas lanternas e em alguns faróis de seus veículos a partir de 2008.
# Muitos materiais mudam conforme a tendência. A linha FH de pesados da Volvo, por exemplo, usava metais leves no painel e passou a adotar plásticos. Na última geração, voltou a adotar metal.
# O Constelation 19.320, da Volkswagen, ganhou o certificado ISO 14.040, que chancela projetos amigáveis à natureza, graças ao uso de mais materiais recicláveis.
Ordem mundial
A lógica de segurança dos veículos de passeio também faz parte da realidade dos caminhões. Áreas de deformação na carroceria para preservar ao máximo a cabine e os ocupantes são expedientes comuns e necessários. Dentro do habitáculo, nada de materiais cortantes. Pedais e volante desarmáveis são algumas soluções. Só que os pedestres e automóveis também entraram na pauta. Tanto que prevalecem superfícies lisas na frente dos caminhões, no intuito de evitar ferimentos ainda mais graves em um eventual atropelamento. “Buscamos componentes positivos para a segurança de motoristas e pedestres. O segmento de caminhões adota conceitos de segurança cada vez mais modernos”, avisa Pedro Soares, diretor da área técnica da Agrale.
Um dos dispositivos muito utilizados são as chamadas barras anti-intrusão, que ficam abaixo da linha do para-choque do caminhão. Elas evitam que um automóvel, em uma colisão frontal, entre por baixo do caminhão, o que pode aumentar consideravelmente a gravidade do acidente. Na Volvo, o sistema é chamado de FUPS – Front Underrun Protection System. “Ele é baseado numa viga de aço ligado às longarinas do quadro. O dispositivo garante que todo o esforço da colisão seja transmitido diretamente para estas partes do chassi”, garante Alan Holzman, planejador de produto da Volvo do Brasil.
FONTE: WebMotors