Além da falta de atrativos para o ingresso de novos profissionais na atividade, a profissão de motorista convive ainda com a falta de reconhecimento, respeito, remuneração adequada e de preparo, situação que está se tornando um grande problema para o setor do transporte de carga no Brasil.
A crescente falta de motoristas para o transporte rodoviário de cargas no País é um assunto que já preocupa os transportadores, com a possibilidade de agravamento do problema em curto prazo, em decorrência da aposentadoria de grande parte dos profissionais que está no trecho e sem a devida reposição de mão de obra atribuída, entre outros fatores, aos perigos das estradas, necessidade de aprimoramento técnico adequado aos novos caminhões, baixa remuneração e, principalmente, pela falta de um tratamento mais digno ao profissional.
Embora não existam informações oficiais, há quem estime em cerca de 90 mil a falta de motoristas no Brasil, profissionais realmente capacitados e comprometidos com a realidade atual do transporte de cargas, com as novas tecnologias embarcadas e com um novo perfil profissional. Dentro desse quadro, segundo opinião do presidente do Sindimercosul, de Uruguaiana/RS, Jorge Frizzo, é de se prever que a situação se agrave cada vez mais com a progressiva saída de motoristas do mercado por causa de aposentadoria ou abandono a profissão por puro desencanto. Ele acredita que as empresas precisam pensar seriamente em proporcionar treinamento aos novos motoristas e também abrir mão da exigência de experiência anterior.
Com o treinamento o setor já teria o perfil pessoal e profissional do candidato, facilitando a contratação. Frizzo lembra que em Uruguaiana existe projeto de uma escola para a formação de condutores de caminhões – e de reciclagem – com o apoio da Prefeitura, transportadores, montadoras e outros setores envolvidos na atividade. “Seria uma forma de atrair novos motoristas para o mercado, aliado a uma efetiva política de assistência social e salarial por parte das empresas”, avalia.
Preocupado com o assunto, o supervisor de RH e Coordenador de Qualidade do Expresso Minuano, de Porto Alegre/RS, Isaias Goethel Rodrigues, mantém um programa de treinamento para os novos motoristas admitidos na empresa. Quase sempre começam na coleta e entrega com veículos pequenos. Depois, passam a fazer manobras com caminhões mais pesados no pátio e só então vão para a estrada como acompanhantes de motoristas mais experientes. Numa última etapa assumem o volante, mas ainda assim com outro motorista experiente por perto. Paralelo a esse treinamento, a empresa também faz um acompanhamento severo sobre a saúde do profissional, já que pelo menos 40% dos candidatos apresentam sobrepeso, segundo Isaias.
Na opinião do training Adrian Krás Borges, 24 anos, filho de um dos diretores da empresa, para enfrentar a crescente falta de motoristas no mercado o setor de transportes deve pensar no assunto de uma forma macro, proporcionando programas de atração e treinamento de jovens para a profissão. Ações como essas têm por meta promover a valorização da atividade e respeito do motorista de caminhão, com melhores atrativos em termos de promoção social e salarial.
Numa demonstração de que a profissão não atrai jovens, a estudante Camila Lentz, filha de mãe carreteira e integrante de uma família de estradeiros, conseguiu trabalho como motorista para coleta e entrega na cidade de Porto Alegre, dirigindo uma Sprinter. Porém, ao invés de esperar uma promoção e pegar um caminhão grande, preferiu o setor administrativo da empresa. Trabalha e se prepara para o vestibular para Engenharia Civil, o seu sonho de criança. “Trabalhar como motorista, nem pensar”, enfatiza.
Adriano Moraes de Abreu tem 33 anos e 15 de profissão é natural de São Jerônimo/RS e dono de dois caminhões, um Ford Cargo 2004 e um Scania Jacaré, utilizados no transporte nacional e internacional. Conta que é filho de carreteiro, com quem aprendeu a dirigir enquanto ouvia conselhos para seguir outra profissão. Não teve jeito. Mas não se arrepende, embora sinta muito de perto as dificuldades da categoria e mesmo da formação profissional.
Hoje, Adriano viaja junto de Leandro Correa, de 34 anos, com sete meses de volante, motorista contratado que está empenhado em treinar para dirigir seu Jacaré. Lembra que se não estivesse sempre por perto já teria contabilizado muitos prejuízos pelo desconhecimento profissional de seu pupilo. Para ele, os bons motoristas estão bem empregados, em boas empresas e recebem o treinamento adequado para dirigir os modernos caminhões. “São os pequenos que sofrem”, afirma. Leandro, pelo seu lado, garante que está se esforçando para se tornar um bom motorista. Tem disposição para aprender e quer seguir a profissão que escolheu, embora um pouco tardiamente.
Enquanto toma o café da manhã, Valdi Oliveira, 70 anos e 45 de estrada, fala ao celular para acertar os detalhes para a próxima viagem. Combina o destino, as condições do frete, adiantamentos e prazos. Tudo de um modo rápido e eficiente, efetuando cálculos mentais com agilidade. Aposentado desde 2001, garante que vai trabalhar enquanto puder ou enquanto lhe derem caminhão para dirigir. Oliveira aprendeu a dirigir no Exército, entre 1959 e 1960. O filho Valdoir Lopes de Oliveira também é motorista e trabalha em Chapecó/SC, embora não quisesse que ele seguisse essa profissão. “Mas conselho de pai pra filho não adianta”, lamenta. Quanto ao futuro nas estradas, Valdi balança a cabeça. “Muita gente despreparada, muita loucura por aí…”. Segundo ele, hoje a moçada quer estudar, ter um bom emprego e formar família. “Nada dessa coisa de caminhão, profissão que se ganha pouco e passa muito tempo fora de casa”, ressalta.
Ari Schwantes é natural de Lages/SC, tem 61 anos e 43 de volante, sempre como autônomo e concorda que é a mais pura verdade que faltam bons motoristas nas estradas. Acredita que em pouco tempo as empresas terão muitas dificuldades para empregar gente, pois a maioria dos jovens prefere outro tipo de trabalho. E os que querem ser motoristas têm de atender muitas exigências, a começar pela necessidade de experiência. Lembra que hoje o frete está baixo pelo excesso de caminhões no trecho, mas ninguém pensa no motorista ou no preparo técnico.
Schwantes pensa que seria uma saída o governo e as grandes empresas de transportes se unirem no preparo profissional das novas gerações de motoristas, ensinando-as a dirigir com segurança, a calcular custos de fretes e como se apresentarem frente a um cliente e mesmo como agir em situações de emergência. “Fazer com que a profissão de motorista de caminhão fosse mais valorizada e melhor remunerada”, acrescenta.
Para o carreteiro Gilmar Lana, 54 anos e 33 de estrada, o nível dos motoristas brasileiros está piorando, com muita irresponsabilidade e desobediência às regras de trânsito. Não se vê incentivo para os jovens entrarem nessa profissão para suprir as vagas que estão surgindo em todas as partes do País. “Faltam bons motoristas, é verdade, mas quem pode investir em cursos, se preparar, se atualizar e no fim ganhar um salário que mal dá para viver?”, questiona.
Natural de Santa Catarina, Gilmar Lana mora com a família e tem dois filhos que trabalham como motoboys. “Eles ganham mais do que eu, trabalhando apenas na cidade e com horário reduzido”, desabafa. “Acho que as empresas deveriam criar escolas e formar seus motoristas, dar incentivo aos jovens, pois não adianta tantos caminhões novos sem motoristas capacitados”.
Apressado, Willian Rossini, 22 anos e seis meses de direção, salta da boleia do caminhão do pai para acertar detalhes do próximo frete. Conta que gosta de caminhão desde pequeno e decidiu seguir a atividade do pai. Foi advertido sobre os riscos de se tornar estradeiro, mas não teve jeito. Está há pouco tempo no trecho, mas garante que é feliz e está pronto para enfrentar as eventuais vicissitudes que surgirem. Tem um irmão com 10 anos de idade igualmente “louco” por caminhões, e que, certamente, também será carreteiro, afinal, os jovens precisam ocupar os lugares dos que estão saindo, garante.
FONTE: Revista O Carreteiro