A crescente expansão dos centros urbanos traz o aumento expressivo de uma demanda necessitada por transporte coletivo. Com a amplitude do perímetro urbano, em determinadas regiões, os sistemas de ônibus não comportam mais veículos caracterizados pela simplicidade e por um reduzido tamanho. Com isso, no final da década de 1970, surgiram os primeiros veículos articulados como projetos destinados a suprir essa carência e atender ao aumento da capacidade. Anos mais tarde, uma alternativa foi criada no Brasil para elevar ainda mais sua potencialidade. Tratava-se do ônibus biarticulado.
No entanto, se esses veículos são reconhecidos como vantajosos em relação ao aumento no número de passageiros que eles conseguem transportar e pela condição de poder substituir até três ônibus com consequências positivas ao meio ambiente, em muitos casos eles não são operados de maneira eficaz, o que compromete a sua essência, que é apresentar benefícios em toda a cadeia transportadora.
Corredores
Ônibus articulados (18 m de comprimento) e biarticulados (até 27 m) tiveram seus embriões em Curitiba, cidade exemplo na implantação do sistema BRT. Logo ganharam ruas e avenidas de outras cidades brasileiras e pela América Latina. Mas o que foi fixado como uma opção bem-vinda no conceito de corredores estruturais, não está sendo seguido de modo satisfatório pela maioria das vias urbanas no Brasil.
Para exemplificar, a capital paulista tem uma das maiores frotas do mundo composta por essas versões de ônibus (101 biarticulados e outros tantos articulados), sendo operada em quase todas as regiões da cidade. Entretanto, a falta de planejamento faz com que os grandes ônibus rodem em sintonia com outros modais (separados apenas por faixas pintadas no pavimento ou então em ruas e avenidas comuns, como a Marginal do Rio Pinheiros), havendo uma concorrência desestimulante, quando o correto é existirem vias exclusivas e tecnologia que privilegiem o fluxo dos veículos, como o acionamento de semáforos via sistema inteligente, garantindo vantagem nos cruzamentos, para que sua produtividade seja a principal atração dentro dos sistemas de transportes. “A utilização mais adequada para ônibus articulados e biarticulados é em trajetos retilíneos, como nos corredores exclusivos. Sua operação em sistemas viários de menor capacidade, como em vias coletoras e locais com itinerários sinuosos, não é congruente pelo seu porte e demais características físicas”, disse João Cucci Neto, professor de engenharia de tráfego e transporte urbano da Faculdade Mackenzie de São Paulo.
A maior cidade brasileira possui apenas dois sistemas segregados que comportam o uso de veículos maiores sem a interferência de outros: os corredores ABD (que liga a zona sul da capital à Região Leste, passando por três municípios da Grande São Paulo) e o Expresso Tiradentes, com atuação entre o centro e a Região Sudeste. Infelizmente as agendas governamentais privilegiam apenas os sistemas metroferroviários, o que parece ter maior propaganda alcançada à população usuária de transporte coletivo. “Em São Paulo, o transporte está muito aquém da condição econômica da cidade. A população paga o preço da descontinuidade administrativa; da falta de um planejamento integrado nos transportes; da ingerência política das empresas de ônibus e da insuficiência da rede estrutural de transporte”, atentou Cucci Neto.
Juarez Fioravanti, engenheiro aposentado da Volvo do Brasil e criador do biarticulado, revelou que a operação da versão articulada pode seguir os padrões de ruas e avenidas comuns, sem a necessidade de alguma segregação, mas que, no caso de um veículo maior, o correto é utilizar uma via preferencial. “O articulado foi desenvolvido há anos atrás para operar em cidades europeias que têm ruas estreitas onde um ônibus de 12 m tem dificuldades de giro. O giro do articulado pode ser bem menor que muitos tipos de ônibus de dois eixos, devido ao curto entreeixos da unidade tratora dianteira. Já o biarticulado deve ter exclusividade em suas rotas”, explicou. Fioravanti também disse que a não opção de implantação das vias exclusivas em sistemas estruturais nas grandes cidades brasileiras é consequência negativa proporcionada por administrações carentes de ideias inovadoras. “Falta decisão política de fazer algo bom, além de visão e conhecimento dos administradores, que só enxergam decisões essenciais de curtíssimo prazo”, enfatizou.
Segurança
Conduzir os citados modelos de ônibus merece atenção. Com uma ou duas articulações, eles são veículos que requerem um treinamento especial, em que a habilidade do motorista é colocada à prova. Alguns acidentes, com feridos e até mortes, já foram provocados pelos ônibus. Para que isso seja evitado, o termo segurança é crucial dentro dos parâmetros mínimos operacionais.
Para Luiz Festino, diretor de assuntos trabalhistas da Central Única dos Trabalhadores e consultor da área de transporte do Sindicato dos Motoristas de Ônibus de São Paulo, a questão sobre segurança envolve fatores importantes que estão sendo discutidos para a melhoria das condições operacionais dos ônibus urbanos. Hoje, basta uma troca de categoria na habilitação e o motorista já pode dirigir outro tipo de veículo que requer uma qualificação maior, diferentemente de outros países que exigem treinamento próprio no tipo de veículo que será conduzido. “O Código de Trânsito Brasileiro determina, por meio do Parágrafo Único do artigo 150, a obrigatoriedade de se fornecer cursos específicos, que foram regulamentados por intermédio da Resolução 168, de 14 de dezembro de 2004, estabelecendo normas e procedimentos para a formação de condutores de veículos automotores e elétricos, a realização dos exames, a expedição de documentos de habilitação, os cursos de formação, especializados e de reciclagem”, esclareceu. Festino ainda destacou que os motoristas desses ônibus em São Paulo reclamam pelas dificuldades encontradas no dia a dia perante o compartilhamento das vias com outros veículos de todos os portes, o que acaba refletindo nas condições de dirigibilidade, tornando a viagem mais estressante ao condutor, face à atenção redobrada devido ao excesso de comprimento dos veículos. “Os ônibus articulados e biarticulados foram concebidos para circular em vias segregadas ou corredores específicos, com uma demanda suficiente de passageiros para viabilizar sua utilização e não para concorrerem com automóveis e caminhões em uma mesma faixa da via. Falta planejamento no desenvolvimento de São Paulo”, completou.
Um pouco de história
A ideia de utilizar os grandes ônibus urbanos ganhou força, sobretudo, no final da década de 1970. A crescente demanda de passageiros nas grandes cidades brasileiras determinou que aparecesse pelas ruas algo que pudesse solucionar, em parte, o problema da mobilidade urbana. As fabricantes de chassis Scania e Volvo deram a largada, apresentando seus protótipos. Curitiba, no Paraná, foi a cidade precursora no uso em larga escala desses novos ônibus. Foi lá também que apareceu o gigante das ruas, o modelo biarticulado, um projeto genuinamente brasileiro. “Não havia nada no mundo naquela época (meados de 1991) similar, relacionado a ônibus urbanos articulados, e o chassi B58 nos serviu de plataforma para o pioneiro protótipo do biarticulado”, disse Juarez Fioravanti, engenheiro aposentado da Volvo do Brasil. Atualmente, a otimização operacional das citadas versões é o grande trunfo para ampliar o atendimento ao passageiro em um sistema organizado composto por vias exclusivas para ônibus.
FONTE: Revista Transporte Mundial