Facchini

Polêmica quanto ao GNV no Brasil

O Brasil possui a segunda maior frota de automóveis movidos a GNV (Gás Natural Veicular) do mundo. Um montante de aproximadamente 1,6 milhão de veículos, segundo o IBP (Instituto Brasileiro de Petróleo, Gás e Biocombustíveis). A conquista é fruto de políticas de estímulo ao uso do combustível alternativo, que se tornou febre no país no início dessa década, quando cerca de 600 carros eram convertidos por dia.
No entanto, como a grande maioria dessas políticas foi direcionada apenas à conversão de veículos leves, ônibus e caminhões continuam sendo abastecidos por aqui com diesel. “A resistência no Brasil à conversão dos veículos pesados vem da falta de leis de incentivo. Em países como a Colômbia, por exemplo, os caminhões a GNV podem furar o rodízio e estacionar nos centros urbanos”, afirma Rosalino Fernandes, presidente da Associação Latino Americana de GNV e coordenador-geral do Comitê de GNV do IBP.

Incentivos tributários, como redução significativa de impostos como IPI, ICMS e até do IPVA poderiam ajudar a tornar os caminhões e ônibus brasileiros mais verdes, acredita Fernandes. Só que, enquanto isso não acontece, um caminhão novo com tecnologia GNV pode custar cerca de 20% a mais do que o mesmo veículo movido a diesel. “Além de equipamentos a mais, não existe escala suficiente de produção para baratear os custos desses caminhões e ônibus. A alteração também é dispendiosa, já que cada cilindro custa em média R$ 1 000. Dessa forma, sem incentivos, fica difícil que o usuário pague sozinho por essa conta”, diz.
Para Luso Ventura, diretor da SAE Brasil e da Netz Automotiva, a falta de uma legislação de apoio ao GNV agregou muitos detalhes e dissabores à história do combustível no país, principalmente entre os fabricantes de veículos. “Quando o projeto de uso do gás natural em caminhões e ônibus começou, vários veículos foram desenvolvidos e até testados. Muitos deles evoluíram, mas o não interesse dos órgãos legisladores fez com que todas as iniciativas acabassem morrendo. Empresas como a Mercedes-Benz até tentaram ir mais longe nesse mercado, mas não evoluíram. Faltou suporte, crê.”

Estimulo do GNV
Alguns prefeitos e governadores tentaram promover o uso do GNV, mas, como é de praxe no país, todas essas ações foram pontuais e nenhuma tinha foco em longo prazo. “Na Eco 92, no Rio de Janeiro, foi usada uma frota de veículos movidos a gás. Nisso parecia estar a promessa de que iríamos apostar em outras alternativas energéticas para a nossa frota de veículos comerciais, mas, passado algum tempo, tudo foi esquecido. Recentemente, veio a crise boliviana, que assolou ainda mais o setor. Por tudo isso, os veículos pesados acabaram sendo desacreditados”, recorda Luso.


Aliás, descrença é uma palavra que descreve bem a reação do transportador em relação ao uso do GNV. O setor ainda não sente nenhuma segurança em optar pela conversão de seus veículos, nem muito menos em investir em um caminhão a gás. “Há mais de 40 anos que se discute sobre o uso de GNV na frota comercial. Eu já até fiquei meio cético quanto à substituição do diesel. Toda vez que o petróleo subia, todos analisavam alternativas, mas constatavam que o melhor substituto do diesel ainda era o diesel. É claro que hoje o cenário é outro e os caminhões e ônibus movidos a GNV já são uma realidade. Só que ainda inviável no Brasil”, explica Neuto Goncalves Reis, coordenador-técnico da NTC&Logística.

Custos
Além dos gastos com a conversão, o transportador teme que outros custos trazidos pelo GNV possam onerar o frete. O valor cobrado pelo m³ do gás natural está muito próximo ao preço do litro do diesel – em São Paulo, segundo a ANP (Agência Nacional de Petróleo), em média R$ 1,48 e R$ 2,01, respectivamente. Em alguns lugares, como Salvador, essa diferença de preços pode tornar o quilometro rodado do gás mais caro, já que existe uma relação de eficiência energética entre o GNV e o diesel, da ordem de mais ou menos 20%, segundo dados do Cenpes/Petrobras. “O transportador pensa em viabilidade econômica. E, nesse sentido, hoje a relação me parece desfavorável para o gás. Além disso, não temos garantias futuras sobre preço e abastecimento. Sem falar do custo de manutenção desses veículos, da compra de novos equipamentos para as oficinas e da contratação de pessoas especializadas nos novos sistemas. Por tudo isso, o gás ainda é muito caro”, explica Reis.
Se hoje os preços não ajudam o GNV a conquistar novos clientes, o mais forte argumento de venda do combustível gasoso é mesmo o ambiental. Estudos mostram que os veículos pesados a diesel podem emitir até 50 vezes mais materiais particulados e gases de efeito estufa, como o CO2, que os movidos a gás natural. Mas, para convencer as empresas a pagarem por essa escolha verde, serão necessários muitos incentivos: “O Estado precisa criar uma política clara para massificação do gás natural no transporte público. É importante para o Brasil seguir o modelo de países como Alemanha e Inglaterra, que converteram parte da frota”, diz o coordenador do comitê de GNV do IBP.
Com incentivos e não imposições, os transportadores acreditam que o quadro atual poderia mudar. “Se houvesse medidas para ajudar a equilibrar a equação custo/benefício dessa mudança, ficaria tudo mais fácil. É claro que, se for estabelecida uma lei que nos obrigue a converter nossos veículos, vamos acatar”, comenta Reis.
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