Não é de hoje que o mercado nacional de caminhões está em crise quando se trata de mão de obra. A defasagem de profissionais no setor reflete a grande incongruência entre boa parte que compõe o modal rodoviário – transportadoras, caminhoneiros e sindicatos. Existe um desencontro rondando o setor do transporte quanto à oferta e procura de emprego. A equação ainda sem solução é a seguinte: quanto mais caminhões modernos e sofisticados entram no mercado menos caminhoneiros profissionais são encontrados para conduzi-los pelas estradas.
A cada ano o número de caminhões novos aumenta. O site do Departamento Nacional de Trânsito (Denatran) também evidencia o crescimento da frota. Em janeiro de 2010, havia 2.003.819 caminhões emplacados. Em janeiro deste ano, os números passaram a 2.152.654. No mesmo período deste ano, o número de caminhões emplacados 2.284.143. Num espaço de dois anos, a frota de caminhões aumentou em 280.324 unidades.
Em contrapartida, o número de emissões de Carteira Nacional de Habilitação (CNH) nas categorias C (caminhões) e E (carretas) foi bem abaixo desta média. De dezembro de 2006 a agosto de 2011, os Detrans de todo o País entregaram 58.245 novas carteiras C e 80.087 novas carteiras E, totalizando 138.332 CNHs. Em dezembro de 2006, havia, no total, 2.583.864 carteiras C e E. Em agosto de 2011, o número era de 2.722.196 – crescimento de 5%. É bom lembrar que parte dos motoristas que obtêm a C dirigem caminhonetes.
A NTC & Logística (Associação Nacional do Transporte de Carga e Logística) realizou uma pesquisa no período entre abril a junho de 2011 junto às empresas de transporte rodoviário de carga para sondar um número de empresas com déficit de mão e obra. Das 509 companhias associadas que responderam ao questionário, acredita-se que exista déficit de motoristas em 13% destas empresas.
Os motivos mais relevantes que entraram em pauta foram, excepcionalmente, a severidade e as dificuldades da profissão e a baixa remuneração da profissão, conforme tabela abaixo, 31% e 26%, respectivamente.
Questionados sobre a existência de veículos parados na empresa por falta de motoristas, 56% responderam que têm, com uma média de 11 veículos parados por empresa. Neste caso, também, é importante observar que houve oito respostas citando mais de 30 veículos parados por este motivo. É importante destacar que apenas 7% responderam que não acreditam na falta de motoristas.
Não é possível definir o número de caminhoneiros desempregados no Brasil, pois é inviável contabilizar os profissionais autônomos; e, assim, precisar um índice de caminhoneiros parados por falta de frete.
Conforme destaca o Sindicam de São Paulo (Sindicato dos Transportadores Rodoviários Autônomos de São Paulo), há um grande número de motoristas profissionais desempregados. Contudo, o sindicato não tem como precisar este contingente. O que eles computam é que uma pequena parte destes motoristas está vetada pelas gerenciadoras de risco e/ou seguradoras. Outra parte, conforme pesquisa no quadro acima é o retrato da falta de preparo e interesse pela profissão.
“A empresa exige que o motorista tenha um tempo de exercício aplicado. Porém, é necessário que as transportadoras parem de exigir os três anos de aperfeiçoamento. O correto seria que as empresas aprimorassem o trabalho do motorista”, diz o presidente do sindicato, Norival de Almeida Silva. E completa: “Os caminhoneiros também não valorizam o preparo que as empresas oferecem, e mudam constantemente de trabalho”.
Este é o ponto crucial para todo o desenrolar de um processo entre dois gigantes que parece interminável. De um lado as transportadoras, de outro os motoristas de caminhão.
O diretor de operações da Veloce Logística, Ruy Galvão, solicita que seus sub contratados exijam mínimo de experiência de dois anos e que saiba manusear o tipo de caminhão em questão. “Essa exigência já foi de cinco anos, mas tivemos que diminuir em função da escassez da mão de obra”, diz Galvão. E enfatiza a questão da segurança como a mais importante para contratação. “É preciso avaliar o perfil do motorista, por meio das gerenciadoras, para não corrermos riscos”, conclui.
O executivo afirma sentir falta de mão de obra qualificada. Para ele, a justificativa não está diante das novidades tecnológicas, mas sim dos predicados dos candidatos. Atualmente, a empresa possui 30 vagas em aberto para serem preenchidas e não encontra candidatos.
Ainda de acordo com a pesquisa, mesmo com a escassez de mão de obra, 84% responderam que a sua empresa pretende contratar motoristas nos próximos 12 meses.
O dilema
As razões que culminaram neste processo delicado de ausência de mão de obra x qualificação profissional são o alto crescimento das atividades econômicas no Brasil, o que demanda mais mão de obra. Como esclarece o diretor de operações da Veloce, “a capacidade para atender toda essa demanda está limitada e, além disso, é possível que o profissional encontre outras opções de trabalho que não a de motoristas. É uma questão da bonança econômica atual que provoca essa demanda e gera escassez”.
O presidente da NTC, Flávio Benatti, confirma o País adiciona ao mercado em média 120 mil caminhões por ano e não há programa de reciclagem de frota. Nesse contexto, ainda é possível incluir que novos caminhões vêm com alta tecnologia embarcada, sem que o motorista esteja preparado para lidar com ela.
O Brasil é um país cujo mais de 60% da sua movimentação se dá no modal rodoviário, o que traduz a forte dependência na área do transporte. Desta maneira as empresas têm dificuldade para reciclar o profissional que esta ao volante, pois a frota não pode parar.
Na opinião do especialista em trânsito e transporte, Márcio José Pinheiro, há caminhoneiros desempregados porque com as tecnologias embarcadas nos caminhões – como computador de bordo, rastreamento, telemetria, etc -, o motorista não está preparado para lidar com tais novidades. “Ele parou no tempo. Por não entender os novos equipamentos, têm medo e acabam não buscando qualificação profissional, com isso não trabalham com as exigências do mercado”, salienta Pinheiro.
Como uma maneira de adequar e atualizar seu quadro de funcionários, a Veloce firmou um acordo coma Fabet (Fundação Adolpho Bósio de Educação no Transporte). A empresa acredita na importância que esse tipo de escola pode conferir ao profissional, até mesmo o mais experiente. Eles ainda possuem parceria com o SEST SENAT para cursos MOPP (Movimentação Nacional de Produtos Perigosos), para o caminhoneiro ter sua carteira atualizada.
A falta de motivação do indivíduo para querer se tornar carreteiro é outra chave do dilema, assim como foi apontada na pesquisa. Norival de Almeida Silva, presidente do Sindicam de São Paulo, e xplica que o jovem não vislumbra um futuro positivo diante do atual cenário. “A remuneração e o rótulo de culpado do cotidiano pela causa de acidentes fazem com que ele deixe de se interessar e vai para outra profissão”, comenta Norival. O presidente da NTC partilha do seu ponto de vista, reiterando que a falta de mão de obra está ligada ao ambiente que se criou em torno do caminhão.
Norival recorda que, antigamente, a situação era mais branda, o frete era mais justo e os empresários respeitavam a carga horária do caminhoneiro. Para o presidente da NTC, o caminhoneiro era mais prático, de hábitos mais simples e maior fidelização na empresa. “Os atuais são mais irrequietos, querem mudanças são mais jovens, entre 25 a 35 anos”, diz Benatti.
Resolvendo o entrave
Conquistar uma oportunidade de emprego, em qualquer área, para alguns é quase sempre uma tarefa ardilosa. Para o motorista de caminhão conseguir ingressar no mercado, não é diferente. Ele deve preencher alguns requisitos básicos da profissão e ainda se atentar em deixar seu currículo atrativo se quiser acompanhar o mercado competitivo.
O ideal, na visão do especialista em trânsito e transporte, Márcio José Pinheiro, seria uma grande força tarefa, pois o transportador necessita do motorista para operar seus veículos com tecnologia avançada, e, estes, precisam trabalhar, mas não possuem qualificação. “É necessário vontade de aprender por parte dos motoristas e as transportadoras precisam investir nesse profissional. O governo também deve investir em educação em tecnologia no transporte, através do SEST SENAT”.
O presidente da NTC, Flávio Benatti, vai além. “A solução é persistir e mostrar que a profissão é nobre. Estamos trabalhando no Congresso Nacional para legalizar a profissão do motorista. O SEST SENAT deve investir mais na formação do profissional juntamente com o Estado”, diz Benatti.
A diretoria do Sindicam-SP tenta fazer sua parte. A entidade possui um projeto, em Santa Izabel, de aprimoramento e treinamento do motorista para o mercado. Neste momento o espaço é utilizado Colônia de Férias, onde, futuramente, será construído um Centro de Treinamento e Aperfeiçoamento para o Transportador Autônomo e seus familiares. A proposta é que o caminhoneiro passe alguns dias na colônia de Férias, com sua família. Enquanto o profissional realiza cursos de aprimoramento e reciclagem, seus familiares desfrutarão de horas de lazer.
Parece que o desafio de encontrar profissionais qualificados que acompanhem as tendências tecnológicas do setor de transporte de cargas está longe de ser resolvido. Empresas que trabalham na área e motoristas de caminhão necessitam entrar num acordo para que, futuramente, não haja um colapso no modal mais proeminente do País.
É, ficou comprovado que ser motorista de caminhão atualmente não basta apenas paixão, a profissão exige muita dedicação.
FONTE: Brasil Caminhoneiro