Anos 90. A Sula Miranda cantava em um sábado à noite no programa Sabadão Sertanejo, do Gugu Liberato. O Gugu saiu do SBT, o sertanejo entrou na universidade e a Sula Miranda, rainha dos caminhoneiros desapareceu da mídia. Há quem diga até que o reino ruiu. Os caminhoneiros deixaram de ser tema das canções que tocam nas rádios. Acabou o romantismo, sabe? A gente não escuta mais a criançada dizendo que vai seguir a carreira da estrada. O Carga Pesada saiu do ar. A classe perdeu o brilho?
O que não sai do ar, de moda, não ofusca, é o transporte de cargas. Você pode até ficar chateado em andar alguns quilômetros em via simples, linha contínua, atrás de um caminhão bem carregado. Pode ficar injuriado e buzinar bastante quando encontra um caminhão na via da esquerda bem na hora em que você quer deixar todos os outros para trás. Mas sem transporte de carga você não veste, não come, não mora. E sem o caminhão, e evidentemente o caminhoneiro, o transporte de carga fica comprometido demais, visto que a grande parte deste transporte é feito em vias terrestres.
Acontece que os caras cansaram. Se expõem aos perigos do trânsito, aos eventuais assaltos à carga, ficam longe da família, dormem mais ou menos, se alimentam mais ou menos, e parece que ninguém está nem aí. O jeito é largar a profissão! E assim muitos estão fazendo. Estima-se que só no Paraná o déficit de caminhoneiros chega a 7 mil profissionais. O assessor executivo do Sindicato das Empresas de Transportes de Cargas, Antonio Carlos Ruyz, contou que o mercado vem sentindo a falta destes profissionais há três anos e que em nossa região, a falta deve ultrapassar as mil vagas.
“Antigamente se perguntava para o filho de um caminhoneiro de 10 anos o que ele queria ser quando crescer e ele dizia que queira ser caminhoneiro. Hoje não querem mais. O descaso, a descriminação é tão grande que até mesmo uma criança de 10 anos percebe. O meu sonho era ser caminhoneiro, hoje me arrependo”, destacou o presidente do Sindicam (Sindicato dos Caminhoneiros Autônomos), Jeová Pereira. Hoje existe cerca de 5 mil caminhoneiros em Cascavel, muitos já desistiram da profissão. Ele destacou que atualmente existe uma série de leis que deveriam melhorar a situação do caminhoneiro, mas que não são cumpridas.
No caso da Lei do Descanso, por exemplo, ele contou que não existe qualquer fiscalização, muito menos possibilidade de cumprir a lei. “As próprias empresas não respeitam na hora de definir o prazo para a entrega da mercadoria. Nas estradas não tem aonde parar para o descanso. Os caminhoneiros quando querem descansar precisam pagar para deixar o veículo em postos de combustível”, destacou. Segundo ele, a lei foi criada, mas não existe estrutura suficiente para que ela seja cumprida. “Se existisse estrutura, como existe a necessidade, os caminhoneiros aceitariam a mudança, mas desde que haja uma fiscalização e se obedeça a logística do transporte”, ressaltou.
Falta de profissionalização
Mas para Antonio, o “saco cheio” dos caminhoneiros não é o único motivo para a falta de profissionais. “Estamos com falta de mão de obra qualificada. A cada ano que passa aumenta o número de veículos no Brasil, mas a evolução da mão de obra não acompanha. Têm profissionais para trabalhar, mas não são capacitados”, disse. Antonio explicou que hoje os veículos possuem uma tecnologia bastante avançada o que torna necessária a capacitação profissional. “A maioria dos caminhões novos já saem com cambio automatizado. A gente precisa que os motoristas acompanhem essa evolução. Não é tão simples como há alguns anos, nas décadas de 1970, 1980 que era só carregar o caminhão e dirigir”, destacou.
Outra lei que não é cumprida é a do pedágio, segundo Jeová, por mais que exista a proibição as empresas seguem “embutindo” o pedágio no frete. Ainda nesta relação entre empresas e caminhoneiros autônomos, Jeová citou que existe a determinação que o caminhoneiro deve receber R$1 a tonelada a hora do veículo parado. Em situações onde uma carga está sendo levada para outro país, ele conta que muitas empresas passam por cima desta lei. “Ela cria uma empresa fantasma em países vizinhos, mas me contrata pela empresa aqui do Brasil. Depois de eu ficar aguardando o trâmite na aduana, é feito o manifesto de carga paraguaia, o que retira a obrigatoriedade de pagar o tempo parado, visto que é uma lei brasileira”, explicou. Conforme Jeová existe em nossa região cerca de 25 mil caminhoneiros que fazem este transporte de um país para o outro.
Para tentar reverter a situação as empresas estão contando com o apoio do Sest Senat, que através do Pronatec está disponibilizando cursos para profissionalizar profissionais. “Assim conseguem pegar o jovem e lapidar levando em consideração a parte teórica e a prática”, falou. Enquanto o problema não é resolvido, o setor vive as consequências. “Tem empresa com 20 caminhões parados porque não tem motorista. Além de deixar de gerar empregos, as empresas param de comprar caminhões. Essas consequências chegam à economia como um todo”, destacou Antonio.
FONTE: CGN