Os caminhões da transportadora ACBJ Transportes Ltda cumprem, basicamente, a mesma rotina a cada viagem. Os veículos trafegam entre Santa Cruz do Sul e Rio Grande, levando o mesmo produto (fumo), com pouca variação de peso. “Nossa mercadoria tem em torno de 21 toneladas e mais um contêiner de 4 toneladas. O peso médio dá 25 toneladas”, garante o diretor da empresa, Júlio Henrique Gärtner.
Como a carga mantém sempre a característica? É simples, o espaço para acondicionamento dos produtos é usado em sua totalidade e, mesmo assim, os caminhões nunca atingem o Peso Bruto Total (PBT) permitido, que é de 27 toneladas, explica o diretor.
Mas só a certeza de atuar dentro dos limites estabelecidos não traz segurança para a empresa, que, mesmo seguindo o mesmo padrão, às vezes é multada por exceder o limite de tolerância nos eixos. O problema, sustenta Gärtner, só pode estar nas balanças, já que a mercadoria, ao ocupar todo espaço para transporte, não tem como se deslocar e sobrecarregar um dos eixos.
Gärtner garante que a situação se repete com outras transportadoras da região, que, apesar de contarem com tolerância, no caso de exceder ao limite previsto, sentem-se prejudicadas. Desde 2007, a tolerância limite para o peso bruto é de 5% e a tolerância por eixo é de 7,5%. Está é a questão de debates e controvérsias.
O limite de 7,5% por eixo é válido apenas até 30 de junho deste ano, quando o Conselho Nacional de Trânsito (Contran) deve estabelecer um novo percentual. Antes de 2007, o limite era de 5%. Para as transportadoras, nem mesmo os 7,5% são suficientes para garantir que as empresas, mesmo quando cumprindo valores totais, escapem da multa.
Para o Sindicato das Empresas de Transporte de Cargas e Logística no Estado do Rio Grande do Sul (Setcergs), o ideal seria aumentar o percentual de 7,5% para 10%. O pedido já foi feito a Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT), mas é alvo de discussões. Comprovadamente, o excesso de peso reduz a durabilidade da pavimentação das estradas, argumento ao qual recorrem os contrários ao aumento do limite. Do outro lado, entidades que representam as transportadoras alegam que o objetivo não é aumentar o peso das cargas, mas, sim, assegurar melhores condições de aferição para as empresas.
Empresas não têm como verificar sobrecarga
Os problemas de adequação aos limites estabelecidos para o peso dos caminhões começa na distribuição das cargas entre os eixos. A maior dificuldade das empresas é a ausência de mecanismos de conferência dos pesos transportados por eixo. O diretor da ACBJ Transportes Ltda, Júlio Henrique Gärtner, explica que consegue averiguar apenas o peso total, que é cumprido dentro dos limites fixados.
“Essa forma de carregar sobrecarrega. Ou seja, eu não tenho excesso de peso e mesmo assim acabo sendo multado por excesso nos eixos”, detalha o presidente do Setcergs, Sérgio Gonçalves Neto. Ele reforça que o objetivo da entidade ao solicitar ampliação do limite atualmente vigente é evitar que as empresas sejam multadas por um erro que não estão cometendo.
Há situações em que a carga, de fato, desloca-se entre eixos, esclarece Gonçalves. Para Gärtner, há um outro fator que pode impactar negativamente nos resultados: o fato de os caminhões serem pesados em movimento (inclusive na aferição por eixo). “O movimento pode até interferir e talvez um mecanismo mais preciso evitasse distorções”, sustenta. Enquanto isso, ter um limite maior pode reduzir a incidência de multas, que se aproximam dos R$ 50 milhões por ano, para todo segmento, contabiliza o consultor técnico do Setecergs, João Pierotto Neto.
O consultor explica que estudos já comprovaram que 90% dessas multas são ocasionadas por conta do excedente que varia de 100 Kg a 300 Kg em um dos eixos, em média. “É humanamente impossível colocar a carga e o peso ficar dividido por eixo. Tem carrocerias de 15 metros em que se coloca 2 mil a 3 mil itens e não é possível dimensionar que a carga fique bem divida. Operacionalmente, é impossível fazer esse ajuste.” Pierotto classifica a situação como uma injustiça, exemplificando que, em algumas situações, os caminhões carregam uma tonelada abaixo do limite total tolerado e, ainda assim, são multadas pela diferença nos eixos.
“Nosso objetivo é corrigir a injustiça. É difícil cumprir essa legislação”, defende Neuto Gonçalves dos Reis, assessor técnico da NTC & Logística, que também reivindica aumento do percentual de tolerância para 10%. “Precisaria de grande precisão de carga. Para melhorar isso, seria necessário que cada transportador tivesse balanças que pesem o veículo por eixo.”
A condição mais preocupante, ressalta o consultor técnico do Setecergs, é a discrepância constatada entre balanças, quando o caminhão, ao passar por diferentes balanças ao longo do trajeto tem o aumento acusado em apenas uma das pesagens. “Aconteceu em algumas balanças no Paraná, onde caminhões que passaram em duas balanças e depois registraram excesso de carga na terceira.” Pierotto refuta que a razão da diferença seja a movimentação da carga durante o transporte. “O deslocamento da carga não é o principal motivo do excesso de peso por eixo, como tem se apresentado. A carga de grãos, por exemplo, se acomoda em um determinado trecho e depois não se move mais.”
A assessoria de imprensa da ANTT respondeu, por e-mail, que “pequenas variações são toleráveis devido à velocidade com que foi realizada a medição, ao abastecimento do veículo no percurso, frenagem ou aceleração durante o processo de pesagem, etc”. Ainda assim, essas diferenças não devem ser significativas. A justificativa é a de que os equipamentos de pesagem são aferidos pelo Inmetro, atendendo a “padrões exigidos para aprovação nos testes de certificação muito mais rígidos do que a tolerância que se aplica”.
Novos limites não mudam as operações nem os custos
A solicitação de mudança nos limites do percentual atualmente adotado não pressupõe qualquer mudança na operação das transportadoras, asseguram as entidades do setor. Tanto o Setecergs quanto a NTC & Logística asseguram que a intenção não é elevar o peso dos caminhões, até porque nenhuma das entidades pede aumento nos limites de Peso Bruto Total. “A tolerância é uma garantia e não é para ser usada. Ela não pode ser incorporada ao limite”, defende o assessor técnico da NTC & Logística, Neuto Gonçalves dos Reis.
Ao elevar o limite de tolerância, as entidades do setor pretendem sofrer menos com o que o consultor técnico do Setecergs João Pierotto Neto chama de “discrepâncias nas balanças rodoviárias no País”. Caso o pleito seja atendido, não haverá qualquer mudança nem nos pesos transportados, nem nos valores de frete cobrados atualmente. “O que vai mudar é que vamos coibir uma injustiça que está sendo feita hoje aos transportadores.”
Na prática, as transportadoras trabalham em cima da margem permitida, explica Pierotto. “O transportador carrega o máximo que ele pode, carregando o máximo que ele pode nessas circunstâncias.” A justificativa é simples: um caminhão usando 100% do seu potencial de carregamento ou 80% do total tem o mesmo custo de operação. Nós não toleramos excesso de peso bruto total. “Além de perder 20% que estaria transportando, as despesas são as mesmas”, esclarece o consultor.
Apesar de buscar maior eficiência, as entidades não admitem que o limite estabelecido para o Peso Bruto Total seja excedido. “Nenhum transportador quer sobrecarregar um determinado eixo, por uma questão de logística e de custo também. Queremos que o Peso Bruto Total, estabelecido por lei, seja respeitado”, argumenta Pierotto.
Excesso de carga diminui durabilidade da pavimentação, conclui estudo
Doutor em Engenharia Civil e diretor-técnico da Fundação Empresa - Escola de Engenharia da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (Feenge), João Fortini Albano assegura que os limites adotados para excedente de peso dos caminhões são mais do que suficientes para contemplar erros de balança ou movimentação da carga entre os eixos. Albano é autor de um estudo que comprova a redução de durabilidade do asfalto conforme aumentam os limites excedentes de peso dos veículos.
O engenheiro chegou a um percentual destacável: o excesso de carga de 20% por eixo pode reduzir o tempo de vida de uma rodovia em 30% a 40%. “Todas as estradas foram dimensionadas para um peso máximo e nós já chegamos em um limite máximo de aumentos, que não tem mais condições”, assegura. A única opção possível para admitir aumento nos limites é a de que haja um redimensionamento das estradas, ressalta, desde que o custo seja assumido pelas transportadoras. Tanto as despesas com manutenção de pavimentação quanto com redimensionamento são pagos pela população, adverte Albano.
A alegação de que as cargas se movimentam ou de que é difícil controlar o limite não justificam a elevação nos limites atualmente adotados, contrapõe o engenheiro. “Essas tolerâncias já são para considerar essas variações de deslocamento da carga. Além do mais, as tolerâncias estão sendo consideradas como limites de cargas, mas elas não são cargas permitidas”, critica.
Um outro efeito do excesso de peso, segundo alerta Albano, são os acidentes nas estradas. “Esses caminhões quando trafegam com excesso de cargas têm problema nos freios, na direção, na hidráulica e o centro de gravidade sai da posição de tolerância. Ou seja, ele fica vulnerável a acidentes, que são mais severos quando o peso está acima do ideal.”
O estudo é mais amplo e contempla a percepção de motoristas, técnicos e empresários do ramo. Albano constatou, por exemplo, que, quando há pesagem, a tendência é a de que o caminhão trafegue dentro do limite estabelecido. Caso contrário, é comum constatar elevação no peso transportado.
Enquanto 57,6% dos motoristas confiam na pesagem das balanças, apenas 15,79% dos técnicos e 8% dos empresários têm a mesma certeza. Já a percepção de que as pesagens são usadas para aumentar a arrecadação é uniforme, 41,7% dos motoristas, 44,74% dos técnicos e 36% dos empresários creditam o controle às metas arrecadatórias.
Além de ser contra o aumento, o engenheiro reforça que é importante ampliar o controle por parte do governo, com ampliação no número de balanças.
FONTE: Jornal do Comércio
FONTE: Jornal do Comércio