Facchini

Caminhoneiros trocam rebite pela cocaína para trabalhar mais

A cocaína se transformou no novo “estimulante” dos caminhoneiros que trafegam pelas rodovias brasileiras. Estudos comprovam que os profissionais estão trocando a anfetamina pelo pó na ilusão de que poderão suportar por mais tempo as longas jornadas de trabalho, que muitas vezes se estendem por mais de 16 horas. Levantamento da Universidade de São Paulo (USP) e de instituições ligadas ao trânsito mostram que pelo menos 33% dos motoristas de caminhão utilizam entorpecentes para cumprir a carga horária. O Correio do Povo inicia uma série de reportagens, que se estende até quarta-feira, mostrando a situação dos “zumbis do volante”.
Dados de pesquisa feita pela USP com caminhoneiros que circulavam pelas rodovias federais do Rio e de São Paulo indica que de 308 profissionais entrevistados, 10 (3,5%) usavam cocaína. Já pesquisas da Confederação Nacional dos Trabalhadores em Transporte Terrestre mostram que 75% dos acidentes envolvendo caminhões ocorrem por falha humana, principalmente por conta da fadiga e, em alguns casos, é possível comprovar que o motorista estava sob o efeito de alguma substância ilegal. 
Um dos acidentes ocorridos em solo gaúcho vitimou o jornalista Paulo Ferreira, o Paulão, e o cinegrafista Ezequiel Barbosa, da TV Bandeirantes, que em 2012 morreram atingidos por um caminhão, na ERS 122, em Farroupilha. Testes de laboratório comprovaram a existência de anfetamina no organismo do caminhoneiro. 
Equipes do Correio do Povo e da TV Record/RS percorreram 2.258 quilômetros entre Rio Grande do Sul e Santa Catarina e trafegaram pelas rodovias com maior circulação de caminhões. Em cinco dias, os repórteres vivenciaram a degradação e as dificuldades por que passam esses profissionais e as pessoas que vivem no entorno. Nesta segunda-feira, os telejornais da Record também exibirão a reportagem.


Traficantes usam coca como engodo
Os caminhoneiros estão substituindo a anfetamina pela cocaína gradativamente, sem perceber o risco ainda maior que correm. Esta troca de substâncias tem explicações em uma espécie de estratégia aplicada pelos traficantes. Um caminhoneiro, que se identificou apenas como Juarez, 51 anos, aceitou falar com o Correio do Povo sob a condição de que não fosse fotografado. Enquanto jantava em Itajaí (SC), em um restaurante anexo ao posto de combustível onde havia estacionado o caminhão, ele se dizia contra o uso de tóxico ao volante. “Nunca usei isso (droga)”, garante o homem, que é natural da cidade de Bonito (MS).
Os motoristas são levados a acreditar que a cocaína deixa a pessoa acordada por mais tempo do que a anfetamina. “Eles chegam a dizer que o pó pode fazer com que o caminhoneiro fique 90 horas dirigindo e estas pareçam mais curtas, evitando o cansaço”, conta Juarez, com 20 anos de profissão. 
“Não critico quem consome essa droga, mas acho uma judiaria o que fazem com o próprio organismo”, lamenta. A diferença no preço faz parte da tática dos traficantes para atrair os consumidores. Uma buchinha, com cerca de um grama de cocaína, custa entre R$ 15,00 e R$ 20,00. Já a cartela de rebite, com oito a dez comprimidos, é vendido por R$ 60,00. Para Juarez, no final, o caminhoneiro paga quase a mesma coisa. “Fica apenas a ilusão de que com uma ou duas buchinhas irá mais longe”, observa.
Colegas de profissão de Juarez concordam que a migração do rebite para a cocaína se dá muito mais em função da dificuldade de conseguir a droga, principalmente no Rio Grande do Sul. O rebite, que nada mais é do que um remédio para emagrecer, mas que teve as vendas controladas nas farmácias, quando não proibidas, faz com que a droga seja mais fácil de conseguir em cidades portuárias ou situadas na zona de fronteira. A cocaína pode ser comprada à beira da rodovia ou até mesmo pelo serviço de tele-entrega.
FONTE: Correio do Povo 
NOTÍCIA ANTERIOR PRÓXIMA NOTÍCIA