Pesquisa resultado da tese de doutorado do Dr. Edmarlon Girotto no programa de pós-graduação em Saúde Coletiva, do Centro de Ciências da Saúde (CCS), da Universidade Estadual de Londrina, detectou a realidade do consumo de anfetaminas, ou os chamados “rebites”, entre 670 motoristas de caminhão.
A pesquisa apontou que cerca de 50,7% fez uso de substâncias psicoativas, predominantemente, as anfetaminas, pelo menos uma vez ao longo da profissão. A droga é um estimulante do sistema nervoso central, que provoca o aumento das capacidades físicas e psíquicas. O trabalho é um dos mais recentes estudos sobre o tema no Brasil e de vital importância quando os exames de larga janela de detecção, o chamado teste de cabelo, está em evidência no país. Através da extração de alguns centímetros de cabelo é possível saber se o motorista fez uso de drogas e anfetaminas nos últimos 90 dias. O Dr. Edmarlon Girotto, concedeu entrevista exclusiva ao Estradas.com.br e fala um pouco sobre seu estudo e sobre os exames de cabelo.
1) Por que o senhor decidiu estudar a questão do uso de drogas por motoristas profissionais?
Primeiramente uma motivação pessoal, pois muitos membros de minha família e amigos trabalham ou trabalhavam como motoristas de caminhão, o que, a partir da minha formação como pesquisador do Mestrado em Saúde Coletiva, me levantou indagação sobre esta profissão, e uma delas, será mesmo que o uso de substâncias psicoativas é comum, mesmo numa população restrita, como os motoristas que transportam a safra de grãos.
2) O senhor acredita que se tivesse condições de fazer um exame de larga janela de detecção (o teste de cabelo) o índice apurado de motoristas que usam drogas regularmente seria muito maior do que o registrado na sua pesquisa, já que determina o uso até 90 dias antes da coleta?
Ainda que a população estudada tenha a particularidade de seus fretes não apresentarem prazos tão exíguos para entrega, se comparado a motoristas que transportam produtos perecíveis, acredito que teríamos resultados acima dos encontrados de forma autorreferida. Isso pode ser reforçado pelo fato de cerca de 50% dos motoristas avaliados relatarem o consumo de substâncias psicoativas em algum momento da profissão como motoristas de caminhão.
3) Na sua avaliação, exames de larga janela não podem ser mais eficientes para a prevenção das drogas?
Certamente esses exames, caso realmente sejam postos em prática e sirvam para o Poder Público e/ou Empregadores para avaliar o grau de consumo das substâncias psicoativas, poderão contribuir para a diminuição da utilização destas substâncias. Os motoristas, a partir do momento que tiverem o exercício de sua profissão colocado em risco repensarão a utilização destas substâncias. Entretanto, saliento que não basta punir motoristas e privá-los ou exclui-los do mercado de trabalho, pois é fundamental e necessário que os empregadores revejam as cobranças que são impostas e estes profissionais e que, muitas vezes, são estas cobranças que os estimulam a utilizar tais substâncias.
4) O senhor acredita que a soma do exame de larga janela com eventuais fiscalizações com exames de curta janela, como urina, saliva, poderia reduzir muito o uso de drogas por esses motoristas?
Em minha opinião, assim como mencionado anteriormente, a utilização de exames de larga janela é preponderante na redução deste consumo e, é claro, associado ao de curta janela, fortalece-se ainda mais esta redução. Todavia, regulamentar os exames de curta janela é mais complicado, pois se sua realização obedecer critérios semelhantes aos de longa janela, não vejo necessidade da sua realização, pois os de longa janela mostrarão-se mais sensíveis. Agora, se a ideia é realizá-los de forma aleatório, como na determinação de álcool no ar exalado (bafômetro), pode ser interessante, pois os motoristas não conseguirão determinar o momento desta análise, ficando um período longo sem utilizar tais substâncias, o que pode acontecer nos exames de longa janela. Porém, como “obrigar” o motorista a realizar tais testes (curta janela), se a própria legislação civil dá o direito ao motorista de se negar a fazê-lo, como no caso do uso de bafômetro.
5) O uso de drogas por motoristas profissionais parece ser um problema muito maior no Brasil que outros países até mesmo da América Latina. O senhor tem alguns dados que permitam fazer essa comparação?
A revisão sistemática publicada na Occupational and Environmental Medicine (http://oem.bmj.com/content/71/1/71.full) mostram que no Brasil, aparentemente, o consumo é maior. Entretanto, a maioria das pesquisas que mostra valores mais elevados é com informações autorreferidas e não de amostras biológicas. Quando se trabalha com amostras biológicas no Brasil, os valores de consumo se reduzem, mas ainda assim, maiores que países desenvolvidos. Acredito que isso se deva principalmente por dois motivos: rigor na legislação e no cumprimento das mesmas, mas essencialmente às condições de trabalho, as quais, aparentemente, mostram-se mais adequadas em países desenvolvidos que naqueles em desenvolvimento ou subdesenvolvidos.
6) O que deve ser feito pelas autoridades de trânsito para reduzir os acidentes com motoristas profissionais que usam drogas?
Uma fiscalização mais ostensiva. Alguns estudos mostram, por exemplo, no Brasil, que quando a Lei Seca entrou em vigor, houve uma diminuição da positividade dos testes realizados, e muito provavelmente esta redução está ligada à maior fiscalização das autoridades de trânsito no momento em que a Lei entrou em vigor. Com o passar do tempo, se o processo fiscalizatório se torna mais ameno, acredito que os resultados de positividade para álcool devem aumentar novamente. Isso reforça que a fiscalização é crucial para a redução do consumo de álcool e também de outras substâncias, e esta (a fiscalização) só deixa de ser tão necessária quando ocorrer uma mudança cultural na sociedade, o que provavelmente não ocorrerá com a atual geração, mas com as futuras gerações que já estão sendo formadas de forma mais reflexiva, crítica e com formas de pensar diferente da sociedade brasileira hegemônica.
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FONTE: Estradas.com.br