Como poucas vezes antes, a montadora sueca Scania teve que nos últimos anos colocar à prova sua capacidade de administrar a instabilidade dos negócios no Brasil. Em 2012, quando a indústria sentiu o choque da introdução obrigatória de motores menos poluentes - porém, mais caros -, a empresa foi obrigada a interromper por 20 dias a produção na fábrica de São Bernardo do Campo, no ABC paulista.
No ano seguinte, a recuperação do mercado permitiu à Scania celebrar o recorde de quase 20 mil caminhões vendidos no país. Mas a marca histórica não será renovada em 2014 porque os volumes voltaram a ter forte queda: de janeiro a outubro, a Scania emplacou 11,6 mil caminhões, 27,9% a menos do que em igual período de 2013. Se há dois anos a derrocada tinha razão setorial - no caso, a transição na tecnologia dos propulsores -, agora as vendas caem pela combinação de desaceleração econômica, retração da atividade industrial e dificuldades ligadas ao financiamento dos veículos.
Martin Lundstedt, presidente mundial da Scania, esteve ontem no Brasil para acompanhar como a empresa tem enfrentado esse sobe-e-desce constante. Entre uma reunião e outra na sede da montadora no ABC, o executivo concedeu entrevista exclusiva ao Valor na qual cobrou maior previsibilidade nas regras de financiamento a bens de capital, assim como o desenvolvimento de alternativas ao Finame, a linha de crédito do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) responsável por cerca de 80% das vendas de caminhões no país.
No início deste ano, a demora do governo em divulgar as novas condições do Finame, seguida por alta burocracia na liberação dos financiamentos, travou o mercado de veículos comerciais até abril. Para que isso não se repita em 2015, as montadoras estão pressionando o governo a anunciar o quanto antes quais serão as condições do Finame a partir de janeiro.
Em virtude da escalada da taxa básica de juros da economia (Selic) e dada a tendência de aperto na política fiscal, a expectativa entre dirigentes de montadoras é que os juros do Finame, atualmente em 6% ao ano, tenham algum aumento - ainda que continuem subsidiados pelo Tesouro Nacional.
Lundstedt, porém, diz que, para as empresas, mais importante do que saber qual será a nova taxa é ter uma visão mais clara sobre as condições desse subsídio no longo prazo. "A questão não é se a taxa de juros vai subir ou não, mas sim por quanto tempo essa taxa vai ser mantida em determinado nível", diz o executivo.
O presidente da Scania defende também o desenvolvimento no Brasil do arrendamento mercantil (leasing) como alternativa aos financiamentos do Finame. "Espero que vejamos no futuro mais possibilidades de operação. O leasing é uma delas", diz.
A Scania investe ao redor de R$ 100 milhões a cada ano no Brasil, onde está seu maior mercado no mundo e, segundo o próprio presidente, a "segunda casa" da montadora. Projeto industrial mais importante do último ciclo de investimento do grupo, a construção da nova linha de pintura de cabines na fábrica de São Bernardo já está em fase de teste após aportes estimados em R$ 75 milhões.
Lundstedt diz que o parque industrial paulista exporta caminhões não apenas a mercados vizinhos na América do Sul e para a África do Sul - tradicionais clientes de montadoras brasileiras -, mas também para países da Ásia, da Europa e do Oriente Médio. O problema, conta o executivo, é que a inflação das matérias-primas locais está tirando competitividade da produção brasileira. "É uma pena porque a fábrica de São Bernardo do Campo não é apenas para o Brasil. É uma fábrica da Scania para o resto do mundo", lamenta.
O presidente da montadora, porém, diz ter uma visão positiva sobre os negócios no Brasil no futuro. Nesse sentido, ele cita oportunidades com a demanda por transporte do agronegócio, a ascensão da classe média e a migração no consumo para caminhões mais pesados, mercado explorado pela marca sueca.
FONTE: Valor Econômico