É na boleia do caminhão da família que Luiz Guilherme, de 9 anos, gosta de acompanhar o pai, Gentil de Souza, de 35, pelo interior de Minas. As idas e vindas do garoto só ocorrem em época de férias ou feriados escolares, pois, conforme ele mesmo destaca, sua “prioridade é o estudo”. A educação de qualidade, responsável pela redução da desigualdade social e econômica em qualquer país, ainda é um grande desafio no Brasil, embora os indicadores tenham melhorado nas últimas décadas. Para se ter ideia, a taxa de analfabetismo das pessoas de 15 anos ou mais está em um dígito (8,5%), contudo, o percentual corresponde a um exército de 13,3 milhões de homens e mulheres. A parcela de quem tem o terceiro grau completo não atingiu ainda dois em cada 10 brasileiros: 13,9%. Os números são do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).
O problema na formação educacional compromete a geração de mão de obra qualificada, um dos freios da economia. O tema, que abre o terceiro dia da série Os homens da estrada, inspirada no livro Jorge, um brasileiro, do romancista mineiro Oswaldo França Júnior, é problema tão antigo no país quanto a invenção da roda. A chaga foi alertada pelo protagonista da estória, publicada pela primeira vez em 1967, como a citação em destaque no alto da página. A baixa instrução educacional prejudica a concorrência e trava o avanço de vários setores.
No ramo de transporte de carga rodoviária, onde a leitura é requisito para o chofer obter a carteira de motorista, o déficit gira em torno de 100 mil vagas. Para amenizá-lo, a Confederação Nacional do Transporte (CNT) lançou dois programas: primeira habilitação para o transporte e troca de habilitação. A meta é formar 60 mil profissionais até o fim deste ano. Na prática, a entidade vai financiar o documento aos interessados, desde que se comprometam a trabalhar, por um período, no setor.
“O Brasil tem carência de formação de trabalho em todas as áreas. Em nosso setor, um fato que gerou uma demanda maior que foi o incremento do nível tecnológico dos próprios caminhões, o que fez com que motoristas que tiveram muito tempo de prática com tecnologia antiga se deparassem com outra realidade”, diz Bruno Batista, diretor-executivo da entidade. Essas tecnologias surgiram para preservar o meio ambiente e gerar economia com combustível, por exemplo. “Há controle para abertura de porta, rastreamento, sobre emissão de poluentes, entre outros.” A geração de economia com a tecnologia ameniza as perdas com a má condição da malha rodoviária nacional. “A elevação do custo operacional varia de acordo com a extensão e região. A média no Brasil é em torno de 30%. O condutor tem que trafegar numa velocidade inferior, fazer frenagens com maior frequência, gasto com pneus, suspensão etc..”
Saber dominar as ferramentas de trabalho, portanto, é indispensável ao profissional qualificado. “A produtividade de trabalho no Brasil é um terço de um trabalhador sul-coreano, um quinto do norte-americano e um quarto do alemão. Por essa comparação, não estamos tão bem. Isso é resultado da baixa qualidade do sistema educacional e de um problema que temos em nossa matriz, com pequeno percentual de homens que fazem educação profissional”, avaliou Rafael Luchesi, diretor-geral do Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial (Senai), o maior sistema de educação profissional do planeta. Vale lembrar que a economia em retração fomenta o desemprego, aumentando a concorrência pela conquista de uma vaga no mercado formal de trabalho.
Também é preciso destacar que a taxa de desocupação fechou o último trimestre avaliado pelo IBGE, encerrado em fevereiro, em 7,4%, acima do mesmo período do ano anterior (6,8%). O percentual corresponde a 7,4 milhões de pessoas. A disputa por um posto no mercado formal fica mais acirrada com a economia em crise – especialistas acreditam que o Produto Interno Bruto (PIB) vai encolher em 2015. A realidade ajuda a entender a corrida do brasileiro por cursos de qualificação. No Senai, por exemplo, o total de matrículas praticamente dobrou de 2011 para 2014. “Foram 3,8 milhões de matrículas”, disse Luchesi.
O varejo nacional também sofre com a falta de mão de obra qualificada. “Um dos principais problemas para a contratação está relacionado à questão educacional. Infelizmente, em muitos casos, observamos que a base do trabalhador é limitada, o que implica diretamente em sua qualidade como profissional. Além disso, parece existir certa acomodação por parte de alguns trabalhadores, principalmente no período em que estão recebendo o seguro-desemprego. A sensação é de que não existe uma preocupação em buscar uma nova oportunidade de trabalho. Isso diminui ainda mais as possibilidades de se encontrar bons profissionais no mercado”, disse Davidson Cardoso, vice-presidente da Câmara de Dirigentes Lojistas de Belo Horizonte (CDL-BH).
Luiz Guilherme, o garoto que viaja com o pai nas folgas escolares, torce para que o país volte a apurar bons indicadores sociais e econômicos. É o mesmo desejo do pai dele, que não faz cerimônia para dirigir o caminhão sem camisa em época de calor. “Fica muito quente aqui dentro”, justifica o estradeiro, durante um descanso em João Monlevade, na Região Central. No livro, Jorge fazia o mesmo em dias com temperatura elevada: “Eu estava dirigindo sem camisa, que o calor era muito grande e todo mundo trabalhava só de calça”.
FONTE: Estado de Minas