Facchini

Regulamentada há cinco meses, Lei dos Caminhoneiros não mudou a realidade nas estradas brasileiras

Os pezinhos descalços ainda não alcançam freios, embreagem e acelerador, mas o sonho de menino se repete como premonição. Aos oito anos, Pedro Henrique aproveita a parada de almoço e esticada nas pernas, no pátio do posto de combustíveis do km 216 da BR-101, em Palhoça, para brincar de caminhoneiro. Ao lado dele, o pai Ivo Nunes, 31, a irmã Vitória, 11, e a mãe Andressa, 31, grávida de cinco meses, dividem o espaço da cabine sem luxo da Scania 112, de 1986, carreta de seis eixos, 18 metros de comprimento e capacidade para 26 toneladas de carga.
Motivo de orgulho, a opção prematura do menino também preocupa Ivo, que não completou o ensino médio e há oito anos decidiu realizar o próprio sonho. “Hoje, conheço quase todo o Brasil”, diz o filho de agricultores.  Estradas inseguras e sem conservação, assaltos, pedágios caros, fretes baratos e escassos e falta de infraestrutura na malha rodoviária para descanso, parecem argumentos de sobra, mas não convencem ao pequeno Pedro Henrique.
“Ele quer ser caminhoneiro, mas vai estudar até chegar à universidade”, diz Ivo, que critica a falta de fiscalização nas estradas. “Tem muitas drogas e imprudência”, diz, e questiona o descumprimento da lei 13.103/2015, regulamentada pela presidente Dilma Rousseff em abril deste ano, depois da greve que bloqueou o transporte de cargas nas principais rodovias brasileiras, em fevereiro e março.
Reajustes do diesel, pedágios para eixos suspensos em caminhões vazios e redução dos preços do frete [de R$ 2,80 a R$ 3 para R$ 2,30 e R$ 2,40 por quilômetro rodado], comprovam o retrocesso nas estradas.  “Fizeram uma lei para não ser cumprida”, resume o motorista terceirizado, que recebe, em média, R$ 2,500 por mês e não paga a Previdência Social.
É a primeira vez que Ivo aproveita as férias das crianças para viajar com a família. Trafegaram 1.100 quilômetros, desde Três Lagoas (MS), prepararam as refeições diárias nos postos com pátios de estacionamento e pagam, em média, R$ 5 por banho, mas antes de voltarem à Londrina (PR) Vitória e Pedro Henrique viram o mar pela primeira vez.

Antigo pedágio vira parada informal 
Na Grande Florianópolis, onde aumenta a oferta de postos de combustíveis com serviços de estacionamento, banheiros, restaurantes e internet,  caminhoneiros improvisam as paradas no pátio da antiga praça de pedágio da Autopista Litoral Sul, no km 220 da BR-101, em Palhoça. Sem sinalização, mas protegido pela base da Polícia Rodoviária Federal, o ponto informal ainda é pouco utilizado, mas funciona nos dois sentidos da rodovia.
É lá que costumam descansar Zael Rumpel, 65, e Cássio, 35, pai e filho que viajam juntos há oito anos e ontem voltavam com o caminhão vazio para Dois Irmãos (RS), depois de levarem carga de móveis a São Paulo.  “Está faltando frete, pagamos pedágio para andar de leve [vazio] e somos escorraçados dos pátios dos postos se não abastecermos ou gastarmos nos restaurantes deles”, diz o pai.  Por isso, pararam para almoçar ao lado do SOS Usuário, mas não puderam usar os banheiros existentes no que restou da estrutura da Autopista Litoral Sul depois da mudança da praça de pedágio para Paulo Lopes. Questionado, o encarregado de plantão não quis se identificar nem explicou o motivo da proibição.  No outro lado da rodovia, o pátio ao lado do posto da PRF também virou ponto de parada no trecho Sul da BR-101. Lá, os sanitários do banheiro são públicos, mas não há estrutura para banhos.

Fiscalização começa só em 2016, após levantamento da estrutura
Regulamentada em abril, a lei dos caminhoneiros deu prazo de seis meses para Dnit (Departamento Nacional de infraestrutura de Transportes), na malha rodoviária pública, e ANTT (Agência Nacional de Transportes Terrestres), nas rodovias pedagiadas, façam levantamento oficial e divulguem relação de todos os pontos de parada disponíveis para caminhoneiros nas estradas brasileiras. Depois disso, são previstos mais seis meses para adequação dos motoristas para cumprimento da jornada de trabalho e intervalos obrigatórios para descanso.
A fiscalização efetiva, portanto, só deve começar em maio de 2016. “É preciso investir na reeducação dos motoristas”, avisa o inspetor chefe da comunicação social da PRF em Santa Catarina, Luiz Graziano, 51, que admite a falta de efetivo para cobrir adequadamente a malha rodoviária federal no Estado. Segundo ele, só haverá fiscalização nas rodovias com estrutura de parada, mas os postos de combustíveis não podem impedir estacionamento de caminhões em seus postos. “Estão em área de domínio das rodovias, não podem exigir abastecimento e só podem cobrar pelo banho”, diz.
Segundo Graziano, os próprios motoristas resistem à aplicação da lei, principalmente às paradas obrigatórias para descanso. Com argumento de que faltam fretes e preços justos, trabalham cada vez mais, alguns fazem jornadas absurdas. “Também há excesso de velocidade, sobrecarga, alcoolismo e drogas. É a verdadeira roda da morte”, diz.  Dados da PRF apontam as BRs 101, 282 e 470 com maior registro de mortes em 2014. Não por coincidência são  as três com maior fluxo de caminhões em Santa Catarina.
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