Facchini

Fim da carta frete, há quatro anos da Lei, a prática ainda é uma realidade

A Lei que decretou o fim da Carta Frete completa quatro anos em 2015. Em 2010, a Lei 12.249 aprovada em 10 de junho daquele ano, acrescentou à Lei 11.442 (que dispõe sobre o transporte rodoviário de cargas por conta de terceiros e mediante remuneração) o Artigo 5o.-A, com a seguinte redação: “O pagamento do frete do transporte rodoviário de cargas ao Transportador Autônomo de Cargas – TAC deverá ser efetuado por meio de crédito em conta de depósitos mantida em instituição bancária ou por outro meio de pagamento regulamentado pela Agência Nacional de Transportes Terrestres – ANTT.”
Naquela ocasião, dava-se um passo importante nas conquistas trabalhistas dos caminhoneiros. A Lei, que sofreu resistências, teve sua aplicação adiada e só entrou em vigor efetivamente um ano depois. O seu grande feito foi impedir que os métodos informais de pagamento continuassem imperando no dia a dia dos caminhoneiros. Como determinação maior, ficou decidido que todo pagamento de frete deveria ser realizado ou por meio homologado pela ANTT ou através de conta bancária em nome do trabalhador, prática já comum em outras categorias trabalhistas.
Obviamente que, quando foi publicada, a Lei apresentou uma série de imprecisões e sofreu críticas. As queixas dos caminhoneiros, por exemplo, giravam também em torno da questão dos impostos. Recebendo através da carta frete muitos deles não tinham que contribuir e, depois da determinação da Lei, deveriam estar em dia com a Receita. No entanto, tempos depois, uma decisão do governo isentou essa classe trabalhista da taxa regular de imposto, reduzindo as contribuições.
Após quatro anos do fim da carte frete, prática que movimentava mais de R$60 bilhões por ano na informalidade, ela, infelizmente, ainda é uma realidade. Não é raro ver em terminais de carga embarcadores oferecendo esse método de pagamento aos caminhoneiros que, muitas vezes por medo de perder o frete, acabam aceitando. Também não é difícil ver postos de combustíveis que ainda trabalham com a carta frete.
No ano passado, o Jornal Chico da Boleia realizou uma entrevista exclusiva com o conhecido e renomado jurista brasileiro Ives Gandra Martins. Na ocasião, ele falou sobre os problemas trabalhistas e tributários que a prática ilegal da carta frete pode acarretar nos dias de hoje. Esse tipo de pagamento de Frete, que condiciona o caminhoneiro a utilizar determinados serviços e produtos – visto que ele fica obrigado a utilizar a carta em postos e restaurantes previamente autorizados – é, segundo sua visão, inconstitucional.
“O artigo 39 do Código de Defesa do Consumidor diz que não é possível condicionar o fornecimento de produto ou de serviço ao fornecimento de outro produto ou serviço, bem como sem justa causa nos limites quantitativos. Então, nós já tínhamos no artigo 39 do Código de Defesa do Consumidor, no inciso I e no inciso V, a proibição da carta frete. Eu não posso condicionar alguém que presta um serviço e dizer, vou pagar dessa maneira e vou pagar abaixo do valor porque, evidentemente, estou dando um bem que terá que ser negociado e será negociado abaixo do valor que esse bem representa.”, explicou o jurista na ocasião.
Sendo assim, desde o Código de Defesa do Consumidor, não é possível condicionar um cidadão a compra de determinado produto ou serviço. A partir dessa interpretação do jurista, a carta frete sempre foi ilegal.
“Muitas vezes o caminhoneiro, isoladamente, tem dificuldade de contestar, pois iria perder o cliente. Não tendo oportunidade de conseguir serviços, ele é obrigado a aceitar um sistema de imposição”, expressou o jurista.
Para ele, ainda, a carta frete é um instrumento extremamente limitado que prejudica todo um sistema econômico. Os métodos de pagamento eletrônicos, por sua vez, além de concederem formalidade e segurança, beneficiam todo um sistema de serviços e produtos e impulsiona a economia.
“A carta frete está limitada a determinados estabelecimentos, a determinados postos de gasolina e se o caminhoneiro precisar de dinheiro ele vai vender por um valor menor do que vale a carta frete. No outro sistema ele tem de prontidão, de imediato e à disposição, o dinheiro que está sendo colocado, além do que o sistema eletrônico faz com que, efetivamente, haja um comportamento melhor de todos os personagens que atuam na área. Porque é um sistema facilmente controlado pelo poder público.”, afirmou.
Quando nos concedeu a entrevista, Ives Gandra Martins foi enfático em seu posicionamento e opinou que nenhum motorista deve abrir mão dos seus direitos e que seus contratantes respeitem as premissas trabalhistas.
“Esse direito tem que ser exercido e quando se começa abrir mão dos direitos, nós ficamos nas mãos daqueles que exploram. A própria ordem jurídica fica fragilizada. Se cada um na sua profissão não abrisse mão dos direitos que tem e os exercesse, evidentemente nós estaríamos hoje com um país muito melhor. Eu entendo que se o caminhoneiro atuar na lei, não só ele é beneficiado e vai receber o que ele tem direito, como também está contribuindo para que haja a preservação da ordem jurídica do país, principalmente no seu segmento.”, finalizou.
Infelizmente ainda hoje a prática da carta frete não foi totalmente abolida e movimenta um mercado totalmente informal e descontrolado. Como consequência dessa prática, os fretes ficam abaixo do ideal, os caminhoneiros sofrem com o condicionamento dos serviços e produtos que necessitam e a economia do setor fica prejudicada.
FONTE: Chico da Boléia 
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