O debate sobre um programa de renovação de frota voltou à tona em meio a uma grave crise do setor automotivo, que registrou queda de 26,6% nas vendas de carros, caminhões e ônibus, em 2015. A novidade é que o documento recém-encaminhado pelas montadoras ao governo federal amplia para todo o setor a ideia original que era circunscrita aos caminhões. A concepção é simples: retirar das ruas veículos antigos, acima de 20 anos (30 anos no caso dos caminhões), e viabilizar que os seus proprietários comprem unidades mais novas – não necessariamente um modelo zero quilômetro.
Ao fomentar o mercado de usados, haverá um efeito secundário no segmento de novos, mas seria muita picuinha resumir o programa a um lobby das montadoras. O Brasil tem cerca de 1,8 milhão de veículos com mais de 20 anos, segundo o Sindipeças. Além de serem pouco eficientes e extremamente poluentes, eles colocam os motoristas em risco. Portanto, tirar veículos velhos de circulação melhora o meio ambiente, aumenta a segurança no trânsito e gera ganhos de produtividade na economia.
São constatações que, por si só, deveriam ser suficientes para sensibilizar o governo a viabilizar um programa de renovação da frota. A proposta para os caminhões, no entanto, ficou engavetada em Brasília durante dois anos. Enquanto isso, as sucatas ambulantes continuam rodando com incentivos estaduais, como isenções de IPVA aos veículos antigos (mais de 20 anos em São Paulo, por exemplo). Um verdadeiro contrassenso. Agora, 19 entidades, incluindo o setor público, se uniram para debater um projeto mais amplo de renovação.
Um ponto já está definido: o veículo que for entregue será completamente desmontado por uma empresa de reciclagem, que emitirá um “atestado de óbito”. Não pode haver o menor risco de a sucata voltar a circular e o dono receberá uma carta de crédito para ser utilizada na compra de um veículo mais novo. O problema principal é encontrar, em meio à grave crise fiscal, recursos para viabilizar essa carta de crédito e o financiamento necessário para a nova aquisição. No exemplo de um caminhão com mais de 30 anos de uso, quem vai correr o risco de crédito do proprietário que, na maioria das vezes, é o próprio motorista, que nem sempre consegue comprovar renda?
Uma ideia é envolver o BNDES, mas o banco estatal torrou os seus recursos nos últimos anos em operações nem sempre benéficas à economia do País. Outra alternativa é a redução do Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI) do veículo que será adquirido nessa operação, mas o caixa falido do governo não demonstra fôlego. As montadoras podem reduzir suas margens de lucro para viabilizar a venda, mas a crise também está afetando os resultados do setor privado. Há ainda a possibilidade de criação de um fundo que seria abastecido pelo dinheiro do licenciamento dos veículos – espera-se que isso não signifique a elevação ou criação de impostos.
Se o programa de renovação de frotas traz benefícios econômicos, ambientais e de segurança, como descrito anteriormente, chegou a hora de todos se unirem e cada um ceder um pouco, a despeito da situação fiscal. O governo reduz a carga tributária, o BNDES financia ao menos uma parte da operação e as montadoras dão um desconto sobre o preço real de mercado – não vale um desconto sobre um valor inflado de tabela.
Ter uma frota mais jovem em circulação é benéfico para a sociedade, não apenas para a economia. Sendo assim, defender um programa de renovação independe da situação conjuntural. Mas, se a crise pode ser o “gatilho” para avançarmos com esse projeto, por que devemos desperdiçar essa oportunidade? De um governo que gasta de forma tão ineficiente os recursos arrecadados através de impostos, não devemos aceitar a desculpa simplória de que não há verba.
FONTE: IstoÉDinheiro