O mercado de caminhões é, naturalmente, cíclico. Foram poucas as vezes, desde o início do século, que o setor apresentou dois anos seguidos de crescimento nas vendas. Entre altos e baixos, no entanto, o resultado era sempre animador, considerando um prazo mais extenso. Na década passada, o segmento de pesados mais do que dobrou de tamanho, passando de 69 mil veículos licenciados, em 2000, para 157 mil, em 2010, segundo dados da Anfavea, associação que representa as montadoras. Tudo parecia se encaminhar para um mercado acima de 170 mil caminhões vendidos por ano, o que colocava o Brasil entre os maiores do mundo. A partir de 2012, no entanto, a sorte começou a virar. A crise econômica prolongada afetou todos os setores da economia e derrubou a demanda por transportes. O resultado foi uma queda acentuada no setor caminhoneiro. No ano passado, foram apenas 71 mil unidades comercializadas, um recuo de quase 50%. “Essa é a pior crise da história do mercado brasileiro de veículos comerciais”, afirma Philipp Schiemer, CEO da alemã Mercedes-Benz na América Latina. “O momento é dramático.”
Inicialmente, pensava-se que a queda nas vendas de veículos pesados seria apenas uma crise motivada pela retração do crédito. Ao longo do ano passado, no entanto, boa parte da indústria começou a perceber que o número mágico de 170 mil caminhões por ano estava superestimado. A realidade atual, de menos da metade disso, seria muito mais adequada às perspectivas econômicas do País. O problema é que boa parte dos investimentos e das estratégias em curso estavam baseadas nos dados desatualizados. “Hoje, a indústria toda enfrenta um excesso de capacidade na casa dos 60% a 70%”, diz Schiemer. “Todo mundo está com medo e tentamos manter as fábricas de pé.” A derrocada atingiu todas as empresas. A maior queda foi a da Scania: 63,1%. A MAN (Volkswagen), líder do mercado, amargou um declínio de 45,9%. Mercedes-Benz, Ford, Iveco e Volvo também viram suas vendas se reduzirem em mais de 40%. Ninguém se salvou da mão pesada do mercado. O ano de 2016 começou na mesma toada. Em janeiro, a indústria de caminhões amargou mais uma queda, dessa vez de 42,4%, para 4,4 mil unidades. “O resultado não ficou fora do que estava no nosso radar”, afirma Luiz Moan, presidente da Anfavea. Ele descartou a possibilidade de negociar com o governo uma redução na carga tributária para tentar reverter a tendência. “O que não me impede de mostrar o peso dos tributos em nossos produtos”, disse o representante de classe.
Sem a possibilidade de uma ajuda tarifária, as montadoras se viram como podem para reduzir as perdas. Diminuir de tamanho é o primeiro passo. A Mercedes-Benz foi a primeira a aderir ao Plano de Proteção ao Emprego (PPE), lançado pelo governo em julho do ano passado. O programa prevê uma redução de até 30% na jornada de trabalho, sendo que a União arca com parte dos custos. A Volvo está negociando com os sindicatos uma solução para o excesso de trabalhadores. “Vamos ter de usar alguns ‘instrumentos’ disponíveis”, afirma Carlos Morassutti, presidente interino da companhia na América Latina. Nos últimos dois anos, foram eliminados 800 postos de trabalho em seu parque industrial, localizado em Curitiba. A montadora possui, atualmente, entre 15% a 20% de empregados ociosos. A redução de vagas pode chegar a 680. No final do ano passado, muitos operários de montadoras tiveram folgas prolongadas, de até cinco semanas. Casos dos funcionários da Volvo, da Mercedes-Benz e da Scania.
Apenas reduzir o quadro de funcionários, no entanto, não é suficiente para resolver os problemas. Com o dólar acima dos R$ 4, parte da indústria de caminhões se volta para as vendas externas. Na sueca Scania, as exportações responderam por 60% da produção na sua fábrica, localizada em São Bernardo do Campo, no ABC paulista, em 2015. Para este ano, a previsão da montadora é elevar esse porcentual para 70%. “Nossas fábricas são padronizadas globalmente, o que nos dá esse grande trunfo de poder direcionar a produção para qualquer mercado”, afirma Fábio Castello, vice-presidente de logística da montadora. “Nesse último trimestre, a demanda europeia cresceu mais do que o previsto e conseguimos direcionar parte da produção em São Bernardo para atender esse mercado.” A americana Ford também está olhando para fora na tentativa de compensar a queda nas vendas. O foco são os mercados do México, da Colômbia e do Peru. Esse movimento já se refletiu nos números do setor no ano passado, quando as exportações atingiram 28% do total de caminhões vendidos, mais do que o dobro dos 13% registrados em 2014.
A questão é que, dificilmente, o mercado externo irá compensar o tombo dentro de casa. “Não temos essa pretensão” afirma Castello, da Scania. Por serem empresas globais, as montadoras ainda conseguem algum tipo de ajuda das matrizes. Isso não acontece, no entanto, com as concessionárias. “Nessa nova realidade, as concessionárias terão de se adaptar”, diz Morassutti, da Volvo. “Eu calculo que um terço delas irá se dar bem, outro terço irá sobreviver e, infelizmente, um terço não deve aguentar.” Isso é um desafio a mais para as fabricantes, que apostam bastante no pós-venda para, pelo menos, não perderem participação de mercado. Tamanha confusão acabou afetando a imagem do País perante a alta direção das companhias. Em 2009, o Brasil se tornou o maior mercado global para a Mercedes, superando a Alemanha. Segundo Schiemer, CEO da empresa por aqui, hoje, ninguém entende o porquê de tantos altos e baixos. “A posição do Brasil caiu muito dentro da organização”, diz o executivo. “Claro que não vamos embora do País. Mas às vezes dá vontade.”
FONTE: IstoÉ Dinheiro