Em um momento de crise sem precedentes na história econômica do país, é natural questionar se o conjunto de regras que regula o funcionamento do setor de transporte rodoviário de cargas tem contribuído para reduzir ou amplificar os efeitos da instabilidade sobre as operações do segmento.
Neste contexto se insere o vale-pedágio obrigatório, por meio do qual os embarcadores são responsáveis pelo pagamento antecipado do pedágio e fornecimento do respectivo comprovante ao transportador rodoviário. Instituído pela Lei nº 10.209, de 23 de março de 2001, ele não atende ao principal objetivo que levou à sua criação: desonerar o transportador, eliminando-se a possibilidade de embutir o custo do pedágio no valor do frete contratado, prática utilizada, com frequência, quando o pagamento era feito em espécie.
Em total descompasso com a realidade deste ramo de atividade, a complexidade de aplicação deste dispositivo legal impacta todos os agentes envolvidos: transportador, embarcador/contratante, operadores de rodovias com praças de pedágio e empresas habilitadas pela Agência Nacional de Transporte Terrestre (ANTT) para fornecer o vale.
A lei estabelece, por exemplo, que o vale-pedágio não deve ser embutido no frete, não sendo considerado, portanto, receita operacional ou rendimento tributável. Embora tratar-se de mero reembolso de despesa, alguns Estados não reconhecem sua validade e cobram ICMS sobre o dispositivo.
Outra distorção. Para fornecer o vale-pedágio, antecipadamente, o embarcador precisa ser informado sobre a quantidade de eixos do veículo e praças de pedágio. Mas é importante ressalvar que a carga pode sofrer transbordo (troca de veículos em face da logística com aproveitamento de outros veículos), situação que pode mudar tanto o itinerário, como o número de eixos.
Também requer atenção a operação Milk Run, coleta diária de mercadorias em que o remetente não é o contratante do frete e sim o destinatário. Neste caso, o percurso e o veículo são definidos no momento do carregamento e mesmo o itinerário poderá ser alterado.
“As operações de transporte se caracterizam pela agilidade, velocidade e flexibilidade. Porém, a legislação trata o assunto de maneira simplista, impondo regras que impactam no resultado e nos custos”, alerta o advogado Marco Aurélio Guimarães Pereira, da Paulicon Contábil. Ele complementa: “como se toda operação envolvesse um único veículo; uma programação atencipada de um ou dois dias; desconsiderando que operações ocorrem, inclusive, fora do expediente comercial normal (noite, madrugada, domingos e feriados, etc.).
Não é tudo. Aspectos burocráticos para fornecer o vale-pedágio também dificultam o cumprimento da legislação. Se for cupom, tem que ser impresso no mesmo instante que o veículo estiver retirando a carga, procedimento impossível, caso o contratante não seja o remetente. Já, o cartão vale-pedágio deve ser abastecido pelo embarcador para o frete designado, tendo que constar do documento fiscal o número do cartão e da operação de abastecimento. Levando-se em consideração que o veículo não passa pela empresa, só será possível conhecer o itinerário, após a emissão da NF e geração do CT-e.
Soma-se o fato de que tanto com o cupom, como com o cartão, o veículo tem que parar na praça de pedágio impactando no trânsito. Por sua vez, o Sem-Parar Vale-Pedágio deve ser abastecido pelo embarcador no dispositivo do caminhão, sendo necessário saber qual o valor a ser praticado e creditado. Os custos operacionais para sua manutenção são enormes e sem qualquer praticidade da operação. Logo, impactando no processo logístico.
Importante registrar que a obrigatoriedade do vale-pedágio, nos últimos 15 anos, onerou o custo do frete, pois as empresas que fornecem o dispositivo cobram um percentual por este serviço. E, na quase totalidade dos casos, os clientes não aceitam que seja cobrado um valor diferente do pedágio, muito menos os impostos.
Para piorar ainda mais, a ANTT montou uma frente de fiscalização e autuação eletrônica com o aproveitamento do MDF-e (documento que resume toda a operação do transporte) com a identificação se a lei está sendo aplicada ou não. E, para se ter uma ideia do prejuízo, a multa é de R$ 550,00 por CT-e sem a validação do vale-pedágio.
Não às interferências
Diante deste panorama, Marco Aurélio Guimarães lamenta que muitos transportadores – que nunca fizeram nada para atender estas prerrogativas – estejam praticando custos de frete aviltantes, enquanto as que trabalham, dentro dos parâmetros legais, enfrentam dificuldades imensas para demonstrar para o embarcador o seu custo operacional (chamado custo invisível).
O executivo da Paulicon Contábil salienta que o setor de transporte rodoviário de carga é carcaterizado pela agilidade e não pode ficar refém do cumprimento de obrigações acessórias fiscais, tributárias e procedimentais que, na realidade, inviabilizam sua operação. Por isso, assinala a importância de os legisladores conhecerem e levarem em conta todo o arcabouço do processo de transporte rodoviário de cargas, que contempla pontos complexos como o dimensionamento da carga, o veículo, a roteirização, o carregamento, a verificação dos aspectos tributários, como a documentação legal prevista para o trajeto e licenças conforme a carga. Soma-se a verificação do procedimento, quando no trajeto houver praças de pedágio para rodovias estaduais e federais.
Para atenuar os equívocos que emperram a efetividade do vale-pedágio obrigatório, Marco Aurélio Guimarães defende a formação de uma frente – por meio das entidades que representam o setor – cujo um dos pleitos seria o restabelecimento do Regime Especial que autorizava que o embarcador/cliente, em vez de antecipar, pagasse o pedágio junto com o CT-e, desde que tivesse contrato entre as partes validando este procedimento. “Assim, o transporte poderia agir de forma normal, praticando a melhor logística. E, neste caso, haveria a possibilidade de excluir o pedágio do ICMS e dos tributos federais, tornando o frete menos oneroso”, conclui.
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