“Tive o cano de um revólver arranhando minha nuca depois que resolvi, com pena, dar carona a uma família que estava na beira da estrada. Eles faziam parte de uma quadrilha. Hoje, desconfio de todo mundo, inclusive de você, que se diz repórter”. A desconfiança de um motorista de caminhão não é para menos.
Por dia, mais de uma carga é levada por bandidos nas rodovias federais que cortam a Bahia. Somente este ano, 432 ocorrências foram contabilizadas pela Delegacia Especializada de Combate ao Roubo de Cargas da Polícia Civil (Decarga) - 118 casos foram registrados na própria delegacia.
Segundo a Polícia Rodoviária Federal (PRF-BA), a BR-242 lidera o ranking das mais perigosas, com 50 ocorrências este ano. Logo em seguida vêm a BR-116, com 26 casos; a BR-324, com 25 registros; a BR-110, com 16. A BR-101, com 13 ocorrências, completa a lista dos trechos mais arriscados para motoristas. Os 130 casos contabilizados pela PRF-BA já fazem parte dos dados apresentados pela Decarga.
Mercado
“Roubo de carga não é somente a ação, e sim uma cadeia. Se existe o roubo é porque tem gente atrás, o receptador, que pode ser o dono do mercado, ou um revendedor de peças de carros. Ou seja, tem um mercado que abastece o roubo”, declara o inspetor da PFR Jader Pinheiro.
Segundo ele, é por isso que é difícil combater esse tipo de crime. “Fazemos um trabalho ostensivo, junto com a Polícia Rodoviária Estadual, com a Decarga e seguradoras, mas são milhares de rodovias, com fluxo intenso de caminhões”, complementa o inspetor.
Ainda conforme o inspetor, o roubo de cargas na Bahia não está restritamente ligado à cadeia local. “São quadrilhas interestaduais. No ano passado, a PRF e a Polícia Federal prenderam uma quadrilha em Sergipe que roubou cargas de peças de veículos para vender em cidades pequenas, como Itabaiana e Itabaianinha”, explica. Embora pequenas, as duas cidades movimentam um comércio forte de peças em Sergipe, como baterias e suspensão de veículos.
Organização
A maioria das quadrilhas é organizada e cada membro do grupo possui funções definidas. “Tem pessoal específico para usar o Jumer, aparelho que bloqueia o sinal de rastreamento do caminhão”, explica o delegado Mateus Souza Lima, titular da Decarga, em Feira de Santana.
“São grupos especializados. Boa parte é local, mas recentemente tivemos informações que tem um pessoal vindo de Sergipe, Alagoas, com envolvimento com receptadores daqui. É um esquema muito grande, que gera muito dinheiro”, diz. Segundo ele, uma carga de alimentos, avaliada em R$ 700 mil, é vendida ao receptador por 30% do valor total.
Estratégias
Para roubar as cargas, as quadrilhas adotam uma série de estratégias. Na primeira e mais conhecida, os criminosos ultrapassam o veículo em movimento, forçando-o a parar e utilizando armas para intimidar e fazer ameaças ao motorista. Em caso de resistência, não hesitam em usar a violência. Outra maneira comum é aproveitar o momento de descanso do motorista em postos de combustíveis. Armado, o grupo quebra a janela do caminhão e rende o condutor, forçando-o a dirigir até uma estrada vicinal. Lá, o crime é consumado.
“Ficamos reféns. Há um mês, um amigo teve a carga roubada na BR-101, quando passava em Alagoinhas. Ele dormia num ponto quando foi acordado por dois homens armados com revólveres. Eles o obrigaram a levar o caminhão para um matagal, o dispensaram e fugiram com a carga de soja”, afirma o caminhoneiro André Luiz Nascimento, 40.
Ele, que trabalha no ramo há 22 anos, nunca foi vítima das quadrilhas, mas sabe de colegas que já foram até espancados pelos ladrões. Os caminhoneiros relatam, ainda, outras formas de assalto. “Os bandidos forçam os motoristas a parar jogando de viadutos pedras nos vidros e fazendo bloqueios com madeiras e pedras nas estradas ou usam mulheres e crianças como isca de emboscadas”, conta José Pereira Santana, 48.
Para não ter a carga roubada, ele revelou uma tática: “Sempre que dá, principalmente à noite, andamos em comboio. Fica mais difícil eles agirem. Caminhão na estrada sozinho é problema”, diz.
Para delegado, motoristas fazem parte das quadrilhas
Segundo o delegado Mateus Souza Lima, titular da Delegacia Especializada de Combate ao Roubo de Cargas da Polícia Civil (Decarga), em Feira de Santana, alguns motoristas de caminhão estão envolvidos nos roubos das cargas. “Cerca de 60% dos motoristas têm envolvimento com os roubos. Na verdade, eles são cooptados pelas quadrilhas”, declara. Há dois meses, seis motoristas foram indiciados por roubo de cargas. “Eles vendiam parte da carga de soja e complementavam o restante com areia. A mistura só era percebida quando se fazia uma coleta técnica no Porto de Aratu”, diz o delegado. Como o esquema foi descoberto fora do período legal do flagrante - de seis a oito horas após o crime -, os seis foram ouvidos e indiciados, mas a prisão deles foi solicitada à Justiça. Para o delegado, o fato de não haver uma pena mais dura é mais um indício que favorece o crescimento da prática desse crime. “A pena para o roubo de cargas é a mesma pena de roubo normal. É relativamente branda. Se fosse mais rigorosa surtiria mais efeito”, declarou o delegado. De acordo com o Artigo 157 do Código Penal Brasileiro, a pena para roubo é de quatro a dez anos de reclusão.
PRF-BA intensifica ações de combate aos criminosos
Segundo a Polícia Rodoviária Federal (PRF-BA), de janeiro até o dia 14 deste mês, foram realizadas várias operações para combater o roubo de cargas, com uma intensificação no segundo semestre. O intuito foi alocar servidores especializados no combate ao crime nos pontos vulneráveis - as rodovias mais visadas. A quantidade de pontos vulneráveis é o que torna mais difícil o trabalho da PRF. Por isso, os trabalhos de inteligência e preventivo são fundamentais para prender as quadrilhas antes que cometam os crimes.
Foram retiradas de circulação nas rodovias baianas 107 armas de fogo em poder de pessoas suspeitas. Para tentar minimizar os riscos, a PRF sugere que os motoristas evitem parar em postos sem iluminação, desconhecidos ou que não ofereçam condições mínimas de segurança. Em caso de atitude suspeita, entrar em contato com a PRF por meio do número 191. Automóveis que transitam atrás de veículos de carga sem ultrapassá-los, mesmo quando a sinalização e o fluxo permitem, são um indicativo de comportamento suspeito. A PRF também chama a atenção que nem sempre o objeto de cobiça dos criminosos é a carga. No útlimo dia 7, parte de uma quadrilha foi presa por roubo de pneus em uma carreta. Eles atuavam na Bahia e em outros estados do Nordeste brasileiro. A prisão ocorreu na BR-116, na região de Milagres. Somente este ano, a Polícia Civil prendeu 16 pessoas em flagrante cometendo o crime, contra quatro no ano passado.
FONTE: Correio 24 Horas