É em São Roque, perto do seu habitat natural -- a rodovia Raposo Tavares -- que um Rei da Estrada ganha cuidados após três décadas de idas e vindas: o ônibus CMA Flecha Azul VII 7171, construído em 1996 para a Viação Cometa, e que se tornou o xodó de um apaixonado pelo assunto. A aquisição e a reforma dele, em andamento, coroa 30 anos de um sonho de menino do hoje professor e empresário Humberto Liber, de 37 anos.
Conforme as informações que seu novo dono conseguiu na própria Cometa, o 7171 tinha sede na garagem de Araraquara. "Consegui contatar o departamento de comunicação da empresa e, por intermédio deles, localizamos o antigo chefe de manutenção desse ônibus. Ele foi reconhecido pela placa (na Cometa, a sequência numérica da chapa atendia ao prefixo do ônibus)", relembra Humberto. Com 46 lugares, ele tem banheiro, servia linhas médias e longas e pertenceu à Cometa entre 1996 e 2007 -- tendo prestado serviços na região de Sorocaba antes de ser vendido.
A recuperação, segundo o proprietário, busca preservar o máximo das características originais internas e externas do carro. O desafio maior, no momento, é a reforma das poltronas -- em couro vermelho, marca registrada desses ônibus. "O processo de restauração é minucioso e podemos dizer que nunca acaba, pois sempre há algo a mais a ser feito para deixá-lo o mais perfeito possível", observa. O último serviço foi na poltrona do motorista, que ganhou uma capa azul como a utilizada pelos condutores da época. Avisos como "Proibido Fumar" também foram recolocados e, pendurado no painel de instrumentos, há até um picotador de passagens, presente de um ex-motorista.
A carroceria em duralumínio foi pintada com um layout que remete ao da época, substituindo o amarelo pelo vermelho. "Já existem outros Flechas com a pintura original (em azul, prata e amarelo), sem o nome "Cometa", evidentemente. E o vermelho é a minha cor preferida", justifica. A grafia das letras foi copiada da verdadeira e executada pacientemente por um pintor.
Reverência
Nascido em São Paulo, Humberto cresceu viajando no antecessor do Flecha, o Ciferal Dinossauro. A paixão ficou evidenciada durante o período que usou os Flechas diariamente, para estudar em Sorocaba. E o seu gesto, acredita, é uma pequena retribuição para que a história do ônibus mais emblemático das estradas não se perca. "O destino natural desses carros acaba sendo o transporte clandestino e a sucata. É um projeto nacional que merece ser valorizado", resume.
Após a restauração, o 7171 poderá ser visto em exposições de ônibus antigos. O processo de recuperação está sendo divulgado em uma página nas redes sociais: www.facebook.com/cmaflechaazul7171.
Um ônibus que se tornou uma lenda
O CMA Flecha Azul teve oito gerações, entre 1983 e 1999, que divergiam entre si em detalhes da carroceria, configuração interna e versão do motor Scania. Sucessor dos lendários GM PD-4104 Morubixaba (1954), Ciferal Turbo Jumbo (1969) e Ciferal Dinossauro (1972), entre outros, o Flecha foi construído pela própria Cometa, por intermédio da Companhia Manufatureira Auxiliar (CMA), sua controlada, como solução para a falência da Ciferal, no começo dos anos 80.
A combinação da carroceria de alumínio com a potência do motor Scania -- o Flecha VII utiliza o K113CL, de 360 cavalos -- justifica, na prática, o nome Flecha Azul. "É um motor projetado para tracionar até 40 toneladas de peso, e um ônibus desse cheio pesa, no máximo, 14 toneladas. Sobra força e por isso víamos, na estrada, um desempenho jamais alcançado por qualquer outro", afirma Humberto. Outra característica era o show de luzes dado pela combinação de suas lanternas -- que permitia a comunicação em código entre os motoristas da empresa durante as viagens.
Os últimos Flecha Azul (Flecha VIII) foram construídos em 1999, com os prefixos 7455 e 7501. Os dois estão preservados -- um pelo Grupo JCA, que controla a Viação Cometa e o recuperou para comemorar os 65 anos da empresa, e o outro por um particular. A CMA encerrou a produção de ônibus em 2002, com o CMA Cometa, veículo de três eixos que recebeu o apelido de "Estrelão" e também foi equipado com chassi Scania. Por quatro décadas, a Cometa foi a maior frotista da montadora sueca no mundo.
FONTE: Jornal Cruzeiro