Um novo argumento tem sido usado pelas empresas para conseguir, na Justiça, a dispensa do cumprimento da tabela de preços do frete rodoviário criada pela Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT). A tese, já aceita em processos julgados em São Paulo e em Goiás, é a de que a Medida Provisória (MP) nº 832, que instituiu tais valores, deixou de ter validade no momento em que foi convertida na Lei nº 13.703/2018.
Há ao menos três decisões concedidas com base nesse argumento. Duas liminares beneficiam empresas do setor de celulose. Em outro processo, um grupo de 24 transportadoras ligadas ao agronegócio conseguiu derrubar liminar que o obrigava a seguir a tabela.
Os três casos tratam basicamente sobre a forma como os preços do frete foram estabelecidos pela ANTT. A medida provisória fixou um período de cinco dias para que a autarquia elaborasse uma tabela com os valores mínimos para os fretes rodoviários. Isso ocorreu em meio à greve dos caminhoneiros, no mês de maio. Era uma das principais exigências da categoria para que os protestos, realizados em todo o país e que provocavam desabastecimento, fossem encerrados. Foram três dias entre a edição da medida provisória e a publicação, pela ANTT, da Resolução nº 5.820, que fixou os preços que passariam a ser praticados pelo mercado. Ao ser convertida em lei, no entanto, essa parte da MP foi modificada.
O artigo 6º da Lei nº 13.703 determina que "o processo de fixação dos pisos mínimos deverá ser técnico, ter ampla publicidade e contar com a participação dos representantes dos embarcadores, dos contratantes dos fretes, das cooperativas de transporte de cargas, dos sindicatos de empresas de transporte e de transportadores autônomos de cargas". Essa alteração, para os juízes que julgaram os casos, foi o que fez com que a tabela instituída aos moldes do que previa a medida provisória tivesse perdido a eficácia - pelo menos até que uma nova, cumprindo os requisitos da lei, seja editada.
"Houve a caducidade do ato", afirmou o juiz Thiago Soares Castelliano Lucena de Castro, da 2ª Vara Cível de Jataí (GO), ao conceder a decisão em favor do grupo de 24 transportadoras. Ele considerou ainda "espantoso" o fato de, "apesar dessa óbvia conclusão", a ANTT, em seu site, afirmar que a tabela ainda está em vigor e que assim permanecerá até que se encerrem todos os trâmites administrativos necessários para a publicação de uma nova norma.
Esse processo foi movido pelo Sindicato dos Transportadores Rodoviários Autônomos de Bens do Estado de Goiás (Sindicam-GO) contra as transportadoras. Em um primeiro momento, o juiz havia concedido a liminar para que cumprissem a tabela do frete, sob pena de multa diária de R$ 20 mil. Ele reverteu a liminar depois que as empresas apresentaram suas argumentações no processo (nº 55 13247.62.2018.8.09.0093).
Os outros dois casos foram julgados na 13ª e na 14ª Varas Cíveis da Justiça Federal em São Paulo (processos nº 5023567- 56.2018. 4.03.6100 e nº 5022092-65.2018. 4.03.6100, respectivamente). Ambas as empresas ajuizaram ação contra a ANTT com o intuito de se proteger de eventuais multas. As decisões foram proferidas pela juíza Tatiana Pattaro Pereira. Ela considerou que "no processo de conversão da MP 832 na Lei 13.703 houve a introdução de novos requisitos necessários para o tabelamento, inexistente à época da vigência da MP".
E acrescentou: "Entendo que a Resolução nº 5820, que dela reiterava o seu fundamento, acabou por ser revogada em razão de sua incompatibilidade com a nova lei." A tabela vem sendo criticada pelas empresas desde que foi instituída pela ANTT. Isso porque gerou um aumento expressivo nos gastos com transporte. Um estudo do Grupo de Pesquisa e Extensão em Logística Agroindustrial da Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz (Esalq-Log/USP), divulgado em agosto, apontava que os custos com o transporte de produtos agrícolas até os portos poderiam ficar 70% mais altos com a tabela. E o aumento seria ainda maior, de 154%, se o contratante também pagasse o frete de retorno (com o caminhão vazio).
Diogo Ciuffo, sócio do Bichara Advogados, diz que um de seus clientes previa gastar cerca de R$ 500 milhões a mais por ano se fosse obrigado a cumprir os preços determinados pela ANTT. O advogado atuou nos três processos em que as empresas foram dispensadas do cumprimento da tabela. Essas ações foram julgadas mesmo havendo uma determinação do ministro Luiz Fux, do Supremo Tribunal Federal (STF), que suspende o andamento de todos os processos no país que discutem o tabelamento do frete. A decisão foi proferida em junho e, na época, havia 53 ações ajuizadas.
"Conseguimos escapar da suspensão porque a nossa tese envolve a Lei 13.703, que não existia na época em que ele decidiu sobre o tema", diz Diogo Ciuffo. "O nosso argumentou surgiu depois. Já o das ações que estão suspensas é diferente. Trata principalmente sobre a constitucionalidade do tabelamento. Existe um entendimento de que a Constituição garante a livre iniciativa e a imposição dos preços violaria então princípios constitucionais", contextualiza.
Em nota, a ANTT informa que se manifestará nos autos dos processos. A autarquia fixou multas entre R$ 550 e R$ 10,5 mil para a empresa que contratar serviço de transporte rodoviário com preço menor do que o fixado na tabela. Essa informação consta no Diário Oficial da União do dia 9 deste mês. Antes disso, em setembro, a ANTT divulgou um balanço sobre as operações de fiscalização do cumprimento da tabela. Na época, 31 empresas haviam sido flagradas praticando preços menores do que os fixados.
FONTE: Valor Econômico